Lagoa Nova
Lagoa Nova era uma cidadezinha pacata e perdida nos confins das Gerais. Em 1951 sua população não passava de 5.000 habitantes. Era muito procurada pelos moradores da sede e até mesmo de outras cidades, devido a águas transparentes de sua lagoa, ricas em diversas espécies de peixes.
Possuía três pensões que atendia a demanda do lugar. A de Dona Apolinária, carinhosamente alcunhada de Velha Pulu, por ser a mais próxima da lagoa, era a mais afastada do centro da cidade. E foi lá que em meados de agosto o macaco apareceu. Tinha pouco menos de um metro de altura, estava bastante magro e com alguns machucados. Dona Pulu o tirou de baixo do tanque, onde os cachorros o haviam encurralado, não sem algum receio, pois não sabia se o bicho era bravo e ele estava bastante irritado com os cachorros. Mas assim que os cachorros foram afastados, aceitou de bom grado os cuidados da velha, que o alimentou com deliciosas bananas e outras frutas do fundo do quintal e cuidou pacientemente de seus ferimentos.
A velha Pulu sempre foi apaixonada por toda espécie de criação e em breve aquele macaco seria o seu preferido. O macaco por sua vez, se mostrou dócil e principalmente muito inteligente. Dona Pulu notando o potencial de seu animal começou a ensinar-lhe coisas, que a ajudassem no serviço da pensão. E em pouco mais de um ano o macaco era visto servindo as mesas na hora das refeições, arrumando as camas, varrendo os cómodos, cuidando das galinhas entre outros serviços. É claro que isto atraía curiosos, e a freguesia da velha Pulu cresceu a tal ponto, que ela já estava com planos de aumentar a pensão, adquirindo do Seu Waldemar o terreno ao lado para fazer um puxadinho, aumentando assim o número de quartos, e um pequeno sítio para abastecer a despensa.
Apesar das coisas estarem indo às mil maravilhas para a dona da pensão, o mesmo não acontecia com o pessoal das redondezas. Coisas bem estranhas e inéditas à comunidade rural, marcaram aquele ano:
De um modo geral as colheitas foram magras; na granja de Seu Lindoco a peste matou quase metade das galinhas; a porca Jandira, menina dos olhos de Seu Praxedes, que paria por volta de 10 filhotes, duas vezes por ano, depois de devorar todos os 10 leitõezinhos da última barrigada não gestou mais; vários cachorros amanheciam mortos, sem causa aparente e até a lagoa, antes clara e cristalina, em algumas partes começou a crescer uma alga estranha e desconhecida na região, que tornavam a água escura e pastosa. Além disso, as brigas entre vizinhos tornaram-se frequentes. Amigos de longas datas, as vezes até compadres, se desentendiam por coisas bobas, chegando até mesmo as vias de fato.
Não demorou muito e povo começou a associar todas essas misérias à chegada do macaco na região, embora falassem a boca miúda, pois Dona Pulu era uma pessoa muita querida que procurava ajudar a todos.
De um jeito ou de outro o falatório cresceu e chegou até a sede, aos ouvidos do vigário, que resolveu "botar as coisas em pratos limpos". Mandou avisar a Pulu que lhe preparasse um quartinho para o dia seguinte, pois iria pernoitar na pensão e aproveitar para conhecer esse macaco que causava admiração a toda gente.
Dona Pulu é claro, exultou. Receber o padre em sua pensão era uma honra inestimável. Deu logo ordens para que se lavasse, perfumasse e colocasse roupa de cana nova no seu melhor quarto.
Mas se o anúncio da visita do padre animou a proprietária, o contrário aconteceu com o macaco. Passou o resto do dia amuado num canto, com o pelo da nuca arrepiado, se recusando a qualquer tarefa e se furtando a qualquer tipo de interação com os hóspedes, chegando mesmo a mostrar os dentes para os mais afoitos que tentavam tocá-lo, coisa nunca vista até então.
Na manhã seguinte, a velha Pulu pulou cedo da cama. Queria dar uma vistoria em toda a casa antes da chegada do padre e principalmente preparar o macaco, dando um banho caprichado e uma boa escovada no pelo. Mas cadê o macaco? Ninguém o tinha visto naquela manhã. Procuraram em todos os cantos da casa, olharam no quintal, em cima das árvores e por fim despachou alguns moleques para olhar pelos arredores na esperança de encontrar o bicho.
Por volta das 10 horas o padre chegou. Recebido com todas as honras pela proprietária, benzeu a todos, deu dois dedos de prosa e logo perguntou pelo macaco. Bastante vexada, Pulu começou a dar as explicações, quando um moleque entra com a notícia de que o macaco tinha sido encontrado. Estava amocado no barracão das ferramentas, encolhido embaixo de uma cama, que há algum tempo esperava por um reparo. Mas recomendava não bulirem com ele, pois estava muito enervado e ameaçando morder.
Mas o padre fincou pé. Tinha vindo para ver o macaco e não abria mão disso. Apesar dos conselhos de Pulu, que temia por sua integridade, o padre dirigiu-se resoluto ao barracão, seguido de perto por ela, os empregados e todos os hospedes, não se intimidando com os rosnados e guinchos do macaco, que aumentavam a medida que ele se aproximava do barracão. Destemido adentrou o recinto, procurou pelo macaco, que embaixo da cama se cozia a parede com o pavor estampado em sua fisionomia. Calmamente, com o aspersório em punho, o padre abaixou-se e olhou debaixo da cama, onde o macaco tentava desesperadamente, com as unhas, abrir na parede um caminho de fuga. Com a mão direita fez o sinal da cruz benzendo-o, enquanto com a esquerda salpicava-o com água benta. Nesse momento deu-se uma explosão, como um potente rojão e o ambiente foi tomado por uma nauseante fumaça cheirando a enxofre, que fez com que todos, inclusive o padre, se afastassem rapidamente do barracão. Quando a fumaça baixou, os mais corajosos dirigiram cautelosos até a porta, que permanecera aberto e cautelosamente olharam para dentro. A cama estava completamente destruída, e na parede onde estava encostada abriu-se um rombo, com as bordas enegrecidas como se fossem queimadas pôr fogo intenso.
E o macaco? Este nunca mais foi visto.