DONA CANDINHA BENZEDEIRA
Conta-se que, lá pelos anos 40, Maria Cândida, conhecida como Dona Candinha, já era bem idosa. Era uma velhinha encurvada, magrinha, cabelos como algodão; andava com dificuldade e enxergava pouco.
Morava, desde que se casou, numa casa afastada das colônias, perto de uma nascente de água cristalina. Sua casa era rodeada por árvores frutíferas e muitas espécies de ervas, que ela usava para preparar remédios a quem precisasse.
Tinha sido parteira e benzedeira afamada na região, mas agora parto não fazia mais, pois a vista não ajudava.
Era filha de uma africana escravizada que fugiu do cativeiro e foi viver com um índio na floresta. Um dia, o capitão do mato matou seu marido e a capturou trazendo-a de volta a fazenda. Maria Cândida, com 12 anos, veio junto e passou a ser escravizada também.
Na sua juventude, foi uma moça muito bonita, com um sorriso lindo que despertava muitas paixões, inclusive no seu senhor que por várias vezes tentou seduzi-la, mas, diante de sua resistência e de seu olhar altivo, não teve coragem de tentar subjugá-la e acabou desistindo. Tinha algo naqueles olhos negros que o amedrontava.
Quando ocorreu a abolição, ela continuou morando na fazenda. Agora, na sua velhice, viúva, morava com o filho, nora e uma neta de aproximadamente 15 anos.
Depois do falecimento do velho fazendeiro, as coisas mudaram muito por ali. Vieram morar na fazenda uma filha e o genro, que passou a tomar conta dos negócios da família; eles tinham duas crianças e um filho jovem e mimado.
A neta de dona Candinha trabalhava na casa da sede. Tinha a mesma têmpera da avó, mas infelizmente o filho do fazendeiro, diferente de seu avô, passou a perseguir, importunar e até ameaçar a menina, que, para evitar problemas, se esquivava e não dizia nada em casa; contou em segredo apenas para avó, pedindo conselhos.
Um dia, o rapaz a pegou arrumando o quarto de sua mãe. Ela, não tendo outra saída, entrou em luta corporal, mas foi vencida e ele a violentou. Depois disso, a menina fugiu correndo para casa, e ele, para justificar os arranhões pelo corpo, escondeu uma jóia valiosa de sua mãe e disse que a surpreendeu roubando; por isso, a briga, e que ela havia fugido levando a jóia.
A fazendeira acreditou no filho, mandou chamar seu pai, o humilhou, expulsou da fazenda e ameaçou dar queixa à polícia se a jóia não aparecesse.
O homem chegou a casa desnorteado, procurando pela filha, que estava no quarto da avó chorando. Dona Candinha tomou a frente, disse ao filho que não tocasse na menina; ela não tinha feito nada daquilo que a acusavam, ela era a vitima e contou toda a história.
O pai sentiu o sangue ferver, mas, reconhecendo que não conseguiria muita coisa na justiça contra uma família poderosa, foi a uma fazenda vizinha procurar trabalho. Por ser já conhecido pelo administrador, foi contratado; a mudança foi feita num carro de boi em dois dias.
Era mês de setembro, a lavoura de café estava toda florida, prometendo uma ótima safra para o próximo ano. Quando saíram da fazenda, passaram a porteira que dava acesso a uma estrada. Dona Candinha pediu para levá-la até o mourão da porteira. Abaixou, ficou resmungando alguma coisa por alguns minutos; depois, chamou seu filho, que a levou de volta ao carro de boi, e seguiram para a nova morada.
Naquela noite caiu uma forte tempestade, e uma chuva de granizo atingiu a fazenda da qual tinham sido expulsos. Ficaram só os galhos dos cafeeiros, e salvou-se apenas um lote de uns 6 mil pés, que era afastado dos demais.
Ainda na mesma noite, antes do amanhecer, caiu um raio numa árvore, que ficava no pasto, matando 30 cabeças de gado. De manhã, o rapaz saiu para ver o estrago. O cavalo espantou-se, ele perdeu o equilíbrio e caiu; seu pé enroscou no estribo e foi arrastado. Os empregados da fazenda o encontraram todo ferido.
Seu estado de saúde era grave; o pai mandou buscar o médico na cidade, que não se afastou do quarto do moço por três dias; já perdiam a esperança de salvá-lo. Na última noite, delirando de febre,o rapaz contou tudo o que havia acontecido; sua mãe ouviu e, atordoada, foi ao guarda-roupa onde encontrou a jóia.
Logo que amanheceu, ela, o marido e mais um empregado foram à fazenda vizinha para conversar com a família. Diante da menina e seus pais, o casal de fazendeiros, pediram perdão pela injustiça cometida, pagaram tudo o que ainda deviam de salário e deram a eles uma soma em dinheiro adicional a título de agradecimento.
Quando saíram da casa, dona Candinha estava sentada num tronco de madeira deitado perto da porta, aproveitando o sol da manhã. Ao se despedirem, ela levantou o rosto vincado, os olhinhos cinzentos semicerrados e murmurou: -- “u mininu vai ficá bom”.
Ao chegarem a casa, encontraram o jovem sentado na cama, tomando um caldo que a cozinheira havia preparado.
Conta-se que, lá pelos anos 40, Maria Cândida, conhecida como Dona Candinha, já era bem idosa. Era uma velhinha encurvada, magrinha, cabelos como algodão; andava com dificuldade e enxergava pouco.
Morava, desde que se casou, numa casa afastada das colônias, perto de uma nascente de água cristalina. Sua casa era rodeada por árvores frutíferas e muitas espécies de ervas, que ela usava para preparar remédios a quem precisasse.
Tinha sido parteira e benzedeira afamada na região, mas agora parto não fazia mais, pois a vista não ajudava.
Era filha de uma africana escravizada que fugiu do cativeiro e foi viver com um índio na floresta. Um dia, o capitão do mato matou seu marido e a capturou trazendo-a de volta a fazenda. Maria Cândida, com 12 anos, veio junto e passou a ser escravizada também.
Na sua juventude, foi uma moça muito bonita, com um sorriso lindo que despertava muitas paixões, inclusive no seu senhor que por várias vezes tentou seduzi-la, mas, diante de sua resistência e de seu olhar altivo, não teve coragem de tentar subjugá-la e acabou desistindo. Tinha algo naqueles olhos negros que o amedrontava.
Quando ocorreu a abolição, ela continuou morando na fazenda. Agora, na sua velhice, viúva, morava com o filho, nora e uma neta de aproximadamente 15 anos.
Depois do falecimento do velho fazendeiro, as coisas mudaram muito por ali. Vieram morar na fazenda uma filha e o genro, que passou a tomar conta dos negócios da família; eles tinham duas crianças e um filho jovem e mimado.
A neta de dona Candinha trabalhava na casa da sede. Tinha a mesma têmpera da avó, mas infelizmente o filho do fazendeiro, diferente de seu avô, passou a perseguir, importunar e até ameaçar a menina, que, para evitar problemas, se esquivava e não dizia nada em casa; contou em segredo apenas para avó, pedindo conselhos.
Um dia, o rapaz a pegou arrumando o quarto de sua mãe. Ela, não tendo outra saída, entrou em luta corporal, mas foi vencida e ele a violentou. Depois disso, a menina fugiu correndo para casa, e ele, para justificar os arranhões pelo corpo, escondeu uma jóia valiosa de sua mãe e disse que a surpreendeu roubando; por isso, a briga, e que ela havia fugido levando a jóia.
A fazendeira acreditou no filho, mandou chamar seu pai, o humilhou, expulsou da fazenda e ameaçou dar queixa à polícia se a jóia não aparecesse.
O homem chegou a casa desnorteado, procurando pela filha, que estava no quarto da avó chorando. Dona Candinha tomou a frente, disse ao filho que não tocasse na menina; ela não tinha feito nada daquilo que a acusavam, ela era a vitima e contou toda a história.
O pai sentiu o sangue ferver, mas, reconhecendo que não conseguiria muita coisa na justiça contra uma família poderosa, foi a uma fazenda vizinha procurar trabalho. Por ser já conhecido pelo administrador, foi contratado; a mudança foi feita num carro de boi em dois dias.
Era mês de setembro, a lavoura de café estava toda florida, prometendo uma ótima safra para o próximo ano. Quando saíram da fazenda, passaram a porteira que dava acesso a uma estrada. Dona Candinha pediu para levá-la até o mourão da porteira. Abaixou, ficou resmungando alguma coisa por alguns minutos; depois, chamou seu filho, que a levou de volta ao carro de boi, e seguiram para a nova morada.
Naquela noite caiu uma forte tempestade, e uma chuva de granizo atingiu a fazenda da qual tinham sido expulsos. Ficaram só os galhos dos cafeeiros, e salvou-se apenas um lote de uns 6 mil pés, que era afastado dos demais.
Ainda na mesma noite, antes do amanhecer, caiu um raio numa árvore, que ficava no pasto, matando 30 cabeças de gado. De manhã, o rapaz saiu para ver o estrago. O cavalo espantou-se, ele perdeu o equilíbrio e caiu; seu pé enroscou no estribo e foi arrastado. Os empregados da fazenda o encontraram todo ferido.
Seu estado de saúde era grave; o pai mandou buscar o médico na cidade, que não se afastou do quarto do moço por três dias; já perdiam a esperança de salvá-lo. Na última noite, delirando de febre,o rapaz contou tudo o que havia acontecido; sua mãe ouviu e, atordoada, foi ao guarda-roupa onde encontrou a jóia.
Logo que amanheceu, ela, o marido e mais um empregado foram à fazenda vizinha para conversar com a família. Diante da menina e seus pais, o casal de fazendeiros, pediram perdão pela injustiça cometida, pagaram tudo o que ainda deviam de salário e deram a eles uma soma em dinheiro adicional a título de agradecimento.
Quando saíram da casa, dona Candinha estava sentada num tronco de madeira deitado perto da porta, aproveitando o sol da manhã. Ao se despedirem, ela levantou o rosto vincado, os olhinhos cinzentos semicerrados e murmurou: -- “u mininu vai ficá bom”.
Ao chegarem a casa, encontraram o jovem sentado na cama, tomando um caldo que a cozinheira havia preparado.