Capítulo 8: A viagem do Senhor Fontes e a tentativa de dispersão da família preta.
*Adriana Ribeiro
Existe um velho ditado que diz: “o que engorda o rebanho é o olho do dono”. Mas o relato que agora se apresenta pode servir para estendê-lo um pouco mais e comprovar que “o olho do dono não só engorda como mantém o rebanho unido”.
Alguns dias depois da viagem do Senhor Fontes para a propriedade de Iúnas no Estado da Bahia, a sede da fazenda passou a ser visitada por uma figura curiosa.
Sempre ao amanhecer do dia lá chegava o “Cabo Lorenço", soldado baiano que estava destacando no pequeno município do interior sergipano e fazia parte do corpo policial que acompanhava o delegado nas incursões pela localidade, inclusive nas últimas visitas feitas ao Senhor Fontes. O mesmo cabra que fora flagrado pelo fazendeiro com olhos compridos para seus "pertences".
Alguns dias depois da viagem do Senhor Fontes para a propriedade de Iúnas no Estado da Bahia, a sede da fazenda passou a ser visitada por uma figura curiosa.
Sempre ao amanhecer do dia lá chegava o “Cabo Lorenço", soldado baiano que estava destacando no pequeno município do interior sergipano e fazia parte do corpo policial que acompanhava o delegado nas incursões pela localidade, inclusive nas últimas visitas feitas ao Senhor Fontes. O mesmo cabra que fora flagrado pelo fazendeiro com olhos compridos para seus "pertences".
O referido soldado, todos os dias ia com sua garrafa de vidro apanhar leite no curral da fazenda Santo Antônio. A qual, se fosse mais perto do quartel da cidadezinha, até que essa rotina passaria como normal, dada a quantidade de leite que o homem bebia assim que era ordenhado por Zé Vaqueiro diretamente numa caneca enorme que ficava pendurada no esteio do curral.
Mas a verdade era que a fazenda ficava distante pra mais de duas léguas da cidade e haviam outras propriedades leiteiras muito mais perto, em cuja estrada que dava acesso a elas, o dito cujo homem passava antes de chegar lá.
A justificativa de zelar pala vigilância do Senhor Fontes também não convencia mais a ninguém, pois o mesmo viajara com o conhecimento do próprio delegado da região. O que quase ninguém suspeitava era a quem o Cabo ia visitar com tanta assiduidade e diligência.
A bem da verdade na casa do fazendeiro havia duas moças casadoras. A própria Ana, por quem o povo da região não tinha mais nenhuma simpatia e consideravam uma perdida, e a moça Zelita, que de tão tímida ninguém atinava em como o soldado conhecera. Mas era natural que todos pensassem que o visitante inusitado estivesse interessado numa delas duas.
Porém, o seu objeto de desejo era outro. Uma criatura cujo tom de pele mais fechado pela melanina, era já uma mulher madura pela vida muito mais que pela idade, pois ainda que não houvesse completado os trinta, já havia parido sete vezes e, trabalhadeira que era, sempre estava às voltas com roçados e outros serviços pesados da casa grande.
O Soldado estava enamorado da própria Dona Josefa. A segunda mulher do fazendeiro que sempre buscava o leite para a feitura de queijo e outros usos da casa grande e, por isso, logo cedo se dirigia ao curral onde o encontro com o Cabo se tornara diário e devido à constância de sua ocorrência, logo o vaqueiro deu fé da ousadia daquele soldado e daquela dona mantida pelo seu sogro e patrão.
Porém, tal suspeita era muito grave, o cara em questão era da polícia e a D. Josefa, embora fosse da sua própria cor, era quase como a sua segunda patroa. Então, continuou de olho nos dois, mas não disse nada a ninguém. No entanto, que não estava gostando nada daquele trelelê ali no seu curral, isso não estava mesmo e começou a dar sinais de tal contrariedade, não dirigindo uma palavra sequer a nenhum dos dois, só os ouvindo jogar conversa fora.
Mas o cabo Lourenço sempre se oferecia para levar o pesado balde de zinco cheio de leite até o alpendre da casa da Dona Emília e a prosa entre ele e Dona Josefa se estendia para além dos ouvidos do velho vaqueiro. Nem mesmo a presença dos meninos pequenos na roda da saia da mãe inibia o milico assanhado nem a amázia do patrão e isso não estava lhe cheirando bem.
O que Dona Josefa tanto conversava com o Cabo Lourenço nunca veio a público oralmente, mas o resultado de tais visitas foi que faltando alguns dias pra o Senhor Fontes chegar de viagem, a sua segunda “mulher”, a mãe dos seus sete filhos pretos, resolveu fugir da fazenda com o pretendente. Este, quer não se aguentando de alegria, quer pelo ego muito exaltado, deu com a língua nos dentes sobre os planos de fuga. Disse a alguém, que disse a mais alguém, que disse a não se sabe quem e que fez chegar aos ouvidos dos trabalhadores da fazenda, entre os quais estava o Zé Vaqueiro. Testemunha ocular das visitas do soldado conquistador.
Zé Vaqueiro, conhecendo o patrão que tinha, começou a temer que lhe sobrasse alguma acusação de ter acoitado o fura olhos no curral do próprio fazendeiro. E assim começou a elaborar o próprio discurso de defesa. Não iria pagar pela falta não cometida nem que pra isso tivesse que delatar a Dona Josefa e o policial atrevido. E foi assim que quando o Senhor Fontes chegou da Bahia logo foi informado pelo vaqueiro da situação que se encontrava o seu rebanho pessoal.
Ao tomar conhecimento do fato de que a sua família estava para se dispersar embaixo das suas barbas. O fazendeiro sentiu crescer-lhe a ira e ainda montado no cavalo de viagem, dirigiu-se à casa da mulher. Precisava tomar satisfação com a mesma e, como não era homem de fazer rodeios, foi direto ao assunto que o levara até ali.
O sol estava se pondo na ocasião e a Dona Josefa esquentava água pra banhar os filhos mais novos no frio do final de inverno, por isso levou um susto quando o cavalo resfolegou perto de suas costas parando de supetão. Os filhos correram pra ver o Senhor Fontes que, não se fazendo de rogado, foi direto ao assunto e perguntou sobre a história que ouvira do seu vaqueiro.
Dizem que a Dona Josefa era uma crioula pequena, porém se tornara uma mulher forte, corajosa e decidida. Mas ver aquele homem irado, do alto do seu cavalo alazão grande e fogoso, não teve coragem pra afirmar ou negar nada. Ficou calada. Muda. Via pelas voltas esbranquiçadas dos dedos do “marido” em volta do chicote de couro cru que ele estava nervoso e se dissesse qualquer coisa seria açoitada ali mesmo na beira do fogão de vara.
Então só sustentou o olhar e não deu as costas a ele em momento algum. Os filhos vendo a fúria nos olhos do pai, correram a se esconder nas costas da mãe. Boatos saíram de que o Senhor Fontes olhando aquela cena, passou a mão no rosto e depois de alguns minutos que pareceram horas, virou o cavalo dizendo que depois conversavam.
Porém, já bastante influenciada pelas palavras elogiosas do pretendente e pelas promessas que o mesmo lhe fizera, Dona Josefa confirmou as maledicências e a história da fuga, pois, apesar da cara de revolta e das palavras rudes que ouviu do Senhor Fontes quando este lhe acusara de safadeza e traição, não desistiu de fazer o que havia planejado.
Provavelmente o medo de sofrer alguma agressão física e o desejo de viver um amor que ela supunha ser verdadeiro, funcionaram como incentivo para as atitudes que tomou na madrugada seguinte. E assim que o pai dos filhos se foi para casa grande descansar da longa viagem que fizeram, a astuta mulher arrumou tudo que podia carregar e dividiu as sacolas e objetos com os cinco filhos que levaria com ela. O mais novo, então com menos de quatro anos de idade, saiu carregando uma garrafa de leite, provavelmente para o próprio mingau daquele dia.
Primeiro levaram os carregos mais fáceis e deixaram escondidos numa moita no meio da estrada que tomaram pela mata nativa entre a fazenda e a cidade. Então voltaram para pegar os outros objetos que a mãe escolhera levar.
Mas nesse vai e vem com as crianças pequenas, cujos passos não avançariam muito nem se pudessem correr, o dia já estava começando a clarear qundo aquele magote seguia a estrada com os últimos objetos. E como o destino tece o fio de cada história como bem quer, logo aquela peleja chegava a um desfecho inesperado, pois, como todo morador da zona rural, o Senhor Fontes acordava antes do sol raiar.
Este, agora com a cabeça mais tranqüila e o juízo no lugar, decidira tirar a limpo a tal história que ouvira do vaqueiro nem bem chegara de viagem. Montou no cavalo que diariamente era selado para seu uso sempre que estava em casa e foi até a choupana. Mas no meio do caminho deu de cara com a Dona Josefa e os filhos pequenos carreando os parcos pertences para a nova moradia.
As crianças mais velhas, que naquele momento carregavam o lastro da própria cama que dormiam recém comprada pelo próprio pai, ao vê-lo de longe chegando à cavalo, largaram o fardo pesado e fugiram correndo pelo meio do pasto de volta pra casa, enquanto a Dona Josefa que levava na cabeça o colchão de junco seco que havia feito para os filhos dormirem, tomou o caminho inverso, largando também o seu próprio carrego e atravessando a cerca do pasto sem nem mesmo reparar que os três filhos menores se agarravam chorando de medo, fugiu para a casa dos pais que por aqueles lados era o refúgio mais perto.
Seria uma cena engraçada se o contexto fosse outro mais leve, porém não naquele momento e naquela circunstância. Quem contou esse relato acrescentou que o Senhor Fontes xingou a mulher de nomes brabos e gritou aos quatro ventos na frente dos filhos que ela ia pagar-lhe o desaforo.
Mas disseram também que ele não fez menção de ir atrás dela. O fato é que o homem desceu do cavalo para acudir os três filhos pequenos que não tiveram reação de correr de sua ira nem para seguirem a própria mãe.
Voltou pra fazenda com o filho mais novo no cabeçote da sela e os dois maiores na garupa do cavalo. Então mandou os dois filhos mais velhos irem buscar o que os outros irmãos estavam carregando para levarem de volta à cabana onde moravam.
Os três pequenos ele entregou para a Dona Emília alimentar e acalmar. E foi atrás dos outros dois filhos que haviam fugido. O menino chamado Sabino e a menina de nome Estér. Ambos correram amendrontados pra se esconderem do pai e só depois de muitos gritos e promessas de que não apanhariam, saíram de trás do bananal que havia próximo da cabana onde moravam e acompanharam-no até a casa grande ainda desconfiados.
Ali passaram uns dias diferentes, porém mais tranquilos. A Dona Emília era uma pessoa generosa e cuidava daquelas crianças como se fossem suas. Mas o Senhor Fontes reparou que aquela situação era por demais exaustiva para sua mulher adoentada. Agora os seus sete filhos pretos estavam morando dentro de casa. Não eram mais só os dois mais velhos que ele fora levando à medida que os outros iam nascendo.
Era preciso tomar uma providência. Aquilo não podia continuar assim...
A Dona Josefa, que se arranchara na casa dos pais e dali não saíra mais, principalmente depois de ter sido descabreada pelo Senhor Sizinane, seu pai, que devido ao respeito e atenção que tinha ao Senhor Fontes, não lhe dera nenhum apoio para os planos que queria realizar, passado alguns dias, voltou para casa.
Mas aquela tentativa de fuga fez o Senhor Fontes repensar a situação da família preta. Não confiava mais na Dona Josefa e queria que os seus filhos estudassem. Assim, deixou que tudo voltasse ao que era antes e mandou que um dos seus homens de confiança procurasse um pequeno pedaço de terra com uma casa dentro nos arredores da cidade, pois tão logo pudesse, ele mesmo daria um jeito de garantir o futuro dos filhos fora da fazenda.
Afinal, ainda não sabia qual seria o seu próprio destino...
Mas a verdade era que a fazenda ficava distante pra mais de duas léguas da cidade e haviam outras propriedades leiteiras muito mais perto, em cuja estrada que dava acesso a elas, o dito cujo homem passava antes de chegar lá.
A justificativa de zelar pala vigilância do Senhor Fontes também não convencia mais a ninguém, pois o mesmo viajara com o conhecimento do próprio delegado da região. O que quase ninguém suspeitava era a quem o Cabo ia visitar com tanta assiduidade e diligência.
A bem da verdade na casa do fazendeiro havia duas moças casadoras. A própria Ana, por quem o povo da região não tinha mais nenhuma simpatia e consideravam uma perdida, e a moça Zelita, que de tão tímida ninguém atinava em como o soldado conhecera. Mas era natural que todos pensassem que o visitante inusitado estivesse interessado numa delas duas.
Porém, o seu objeto de desejo era outro. Uma criatura cujo tom de pele mais fechado pela melanina, era já uma mulher madura pela vida muito mais que pela idade, pois ainda que não houvesse completado os trinta, já havia parido sete vezes e, trabalhadeira que era, sempre estava às voltas com roçados e outros serviços pesados da casa grande.
O Soldado estava enamorado da própria Dona Josefa. A segunda mulher do fazendeiro que sempre buscava o leite para a feitura de queijo e outros usos da casa grande e, por isso, logo cedo se dirigia ao curral onde o encontro com o Cabo se tornara diário e devido à constância de sua ocorrência, logo o vaqueiro deu fé da ousadia daquele soldado e daquela dona mantida pelo seu sogro e patrão.
Porém, tal suspeita era muito grave, o cara em questão era da polícia e a D. Josefa, embora fosse da sua própria cor, era quase como a sua segunda patroa. Então, continuou de olho nos dois, mas não disse nada a ninguém. No entanto, que não estava gostando nada daquele trelelê ali no seu curral, isso não estava mesmo e começou a dar sinais de tal contrariedade, não dirigindo uma palavra sequer a nenhum dos dois, só os ouvindo jogar conversa fora.
Mas o cabo Lourenço sempre se oferecia para levar o pesado balde de zinco cheio de leite até o alpendre da casa da Dona Emília e a prosa entre ele e Dona Josefa se estendia para além dos ouvidos do velho vaqueiro. Nem mesmo a presença dos meninos pequenos na roda da saia da mãe inibia o milico assanhado nem a amázia do patrão e isso não estava lhe cheirando bem.
O que Dona Josefa tanto conversava com o Cabo Lourenço nunca veio a público oralmente, mas o resultado de tais visitas foi que faltando alguns dias pra o Senhor Fontes chegar de viagem, a sua segunda “mulher”, a mãe dos seus sete filhos pretos, resolveu fugir da fazenda com o pretendente. Este, quer não se aguentando de alegria, quer pelo ego muito exaltado, deu com a língua nos dentes sobre os planos de fuga. Disse a alguém, que disse a mais alguém, que disse a não se sabe quem e que fez chegar aos ouvidos dos trabalhadores da fazenda, entre os quais estava o Zé Vaqueiro. Testemunha ocular das visitas do soldado conquistador.
Zé Vaqueiro, conhecendo o patrão que tinha, começou a temer que lhe sobrasse alguma acusação de ter acoitado o fura olhos no curral do próprio fazendeiro. E assim começou a elaborar o próprio discurso de defesa. Não iria pagar pela falta não cometida nem que pra isso tivesse que delatar a Dona Josefa e o policial atrevido. E foi assim que quando o Senhor Fontes chegou da Bahia logo foi informado pelo vaqueiro da situação que se encontrava o seu rebanho pessoal.
Ao tomar conhecimento do fato de que a sua família estava para se dispersar embaixo das suas barbas. O fazendeiro sentiu crescer-lhe a ira e ainda montado no cavalo de viagem, dirigiu-se à casa da mulher. Precisava tomar satisfação com a mesma e, como não era homem de fazer rodeios, foi direto ao assunto que o levara até ali.
O sol estava se pondo na ocasião e a Dona Josefa esquentava água pra banhar os filhos mais novos no frio do final de inverno, por isso levou um susto quando o cavalo resfolegou perto de suas costas parando de supetão. Os filhos correram pra ver o Senhor Fontes que, não se fazendo de rogado, foi direto ao assunto e perguntou sobre a história que ouvira do seu vaqueiro.
Dizem que a Dona Josefa era uma crioula pequena, porém se tornara uma mulher forte, corajosa e decidida. Mas ver aquele homem irado, do alto do seu cavalo alazão grande e fogoso, não teve coragem pra afirmar ou negar nada. Ficou calada. Muda. Via pelas voltas esbranquiçadas dos dedos do “marido” em volta do chicote de couro cru que ele estava nervoso e se dissesse qualquer coisa seria açoitada ali mesmo na beira do fogão de vara.
Então só sustentou o olhar e não deu as costas a ele em momento algum. Os filhos vendo a fúria nos olhos do pai, correram a se esconder nas costas da mãe. Boatos saíram de que o Senhor Fontes olhando aquela cena, passou a mão no rosto e depois de alguns minutos que pareceram horas, virou o cavalo dizendo que depois conversavam.
Porém, já bastante influenciada pelas palavras elogiosas do pretendente e pelas promessas que o mesmo lhe fizera, Dona Josefa confirmou as maledicências e a história da fuga, pois, apesar da cara de revolta e das palavras rudes que ouviu do Senhor Fontes quando este lhe acusara de safadeza e traição, não desistiu de fazer o que havia planejado.
Provavelmente o medo de sofrer alguma agressão física e o desejo de viver um amor que ela supunha ser verdadeiro, funcionaram como incentivo para as atitudes que tomou na madrugada seguinte. E assim que o pai dos filhos se foi para casa grande descansar da longa viagem que fizeram, a astuta mulher arrumou tudo que podia carregar e dividiu as sacolas e objetos com os cinco filhos que levaria com ela. O mais novo, então com menos de quatro anos de idade, saiu carregando uma garrafa de leite, provavelmente para o próprio mingau daquele dia.
Primeiro levaram os carregos mais fáceis e deixaram escondidos numa moita no meio da estrada que tomaram pela mata nativa entre a fazenda e a cidade. Então voltaram para pegar os outros objetos que a mãe escolhera levar.
Mas nesse vai e vem com as crianças pequenas, cujos passos não avançariam muito nem se pudessem correr, o dia já estava começando a clarear qundo aquele magote seguia a estrada com os últimos objetos. E como o destino tece o fio de cada história como bem quer, logo aquela peleja chegava a um desfecho inesperado, pois, como todo morador da zona rural, o Senhor Fontes acordava antes do sol raiar.
Este, agora com a cabeça mais tranqüila e o juízo no lugar, decidira tirar a limpo a tal história que ouvira do vaqueiro nem bem chegara de viagem. Montou no cavalo que diariamente era selado para seu uso sempre que estava em casa e foi até a choupana. Mas no meio do caminho deu de cara com a Dona Josefa e os filhos pequenos carreando os parcos pertences para a nova moradia.
As crianças mais velhas, que naquele momento carregavam o lastro da própria cama que dormiam recém comprada pelo próprio pai, ao vê-lo de longe chegando à cavalo, largaram o fardo pesado e fugiram correndo pelo meio do pasto de volta pra casa, enquanto a Dona Josefa que levava na cabeça o colchão de junco seco que havia feito para os filhos dormirem, tomou o caminho inverso, largando também o seu próprio carrego e atravessando a cerca do pasto sem nem mesmo reparar que os três filhos menores se agarravam chorando de medo, fugiu para a casa dos pais que por aqueles lados era o refúgio mais perto.
Seria uma cena engraçada se o contexto fosse outro mais leve, porém não naquele momento e naquela circunstância. Quem contou esse relato acrescentou que o Senhor Fontes xingou a mulher de nomes brabos e gritou aos quatro ventos na frente dos filhos que ela ia pagar-lhe o desaforo.
Mas disseram também que ele não fez menção de ir atrás dela. O fato é que o homem desceu do cavalo para acudir os três filhos pequenos que não tiveram reação de correr de sua ira nem para seguirem a própria mãe.
Voltou pra fazenda com o filho mais novo no cabeçote da sela e os dois maiores na garupa do cavalo. Então mandou os dois filhos mais velhos irem buscar o que os outros irmãos estavam carregando para levarem de volta à cabana onde moravam.
Os três pequenos ele entregou para a Dona Emília alimentar e acalmar. E foi atrás dos outros dois filhos que haviam fugido. O menino chamado Sabino e a menina de nome Estér. Ambos correram amendrontados pra se esconderem do pai e só depois de muitos gritos e promessas de que não apanhariam, saíram de trás do bananal que havia próximo da cabana onde moravam e acompanharam-no até a casa grande ainda desconfiados.
Ali passaram uns dias diferentes, porém mais tranquilos. A Dona Emília era uma pessoa generosa e cuidava daquelas crianças como se fossem suas. Mas o Senhor Fontes reparou que aquela situação era por demais exaustiva para sua mulher adoentada. Agora os seus sete filhos pretos estavam morando dentro de casa. Não eram mais só os dois mais velhos que ele fora levando à medida que os outros iam nascendo.
Era preciso tomar uma providência. Aquilo não podia continuar assim...
A Dona Josefa, que se arranchara na casa dos pais e dali não saíra mais, principalmente depois de ter sido descabreada pelo Senhor Sizinane, seu pai, que devido ao respeito e atenção que tinha ao Senhor Fontes, não lhe dera nenhum apoio para os planos que queria realizar, passado alguns dias, voltou para casa.
Mas aquela tentativa de fuga fez o Senhor Fontes repensar a situação da família preta. Não confiava mais na Dona Josefa e queria que os seus filhos estudassem. Assim, deixou que tudo voltasse ao que era antes e mandou que um dos seus homens de confiança procurasse um pequeno pedaço de terra com uma casa dentro nos arredores da cidade, pois tão logo pudesse, ele mesmo daria um jeito de garantir o futuro dos filhos fora da fazenda.
Afinal, ainda não sabia qual seria o seu próprio destino...