Os Três Flamboyants
Os Três Flamboyants
Foi uma brincadeira lá da criançada que frequentava o parquinho da praça todas as tardes. A molecada desenhou enormes olhos com giz de cera nos três flamboyants vermelhos que ficavam ao redor do parquinho. A partir desse dia começou um mal estar geral entre o pessoal que frequentava a praça, sei lá, uma coisa estranha. O velhinho safado que se sentava toda tarde pra devorar as colegiais que passavam, já não se sentia à vontade, parece que alguém o observava, reprovando-o. Começou a ir dia sim, dia não. Aquele pessoalzinho estranho que se
encontrava lá pra negociar sabe-se lá o que, de repente desapareceu. Se alguém jogasse um papel no chão, voltava logo envergonhado e, olhando para os lados, recolhia-o. Engraçado que só as crianças continuavam lá brincando como se nada estivesse acontecendo.
Tinha inclusive um pequeno coreto que ficava no meio da praça, onde candidatos a qualquer coisa iam fazer comícios inflamados, despejar lá suas baboseiras sobre os transeuntes, que paravam mais por curiosidade que por interesse, pois bem, ninguém entendeu, mas o blablatório foi diminuindo, diminuindo, até que ninguém se atrevia a subir lá pra mais nada, só mesmo a bandinha continuava a tocar religiosamente nos sábados de manhã.
Assim, os únicos que continuavam a frequentar a pracinha eram as crianças e a banda.
Acontece que se aproximava o aniversário da cidade, e o prefeito, planejando uma grande festa, mandou enfeitar toda a cidade com luzes e faixas, especialmente a praça e o coreto, que seria utilizado para a recepção de autoridades e artistas famosos. O pessoal da limpeza
trabalhou muito naquela semana, porém na praça só tiveram o trabalho de aparar a grama, já que, estranhamente, não havia um papelzinho sequer sobre o chão. Tentaram, porém sem sucesso, apagar os olhos desenhados nas árvores, mas acabaram concluindo que ninguém
repararia naquela bobagem.
E assim chegou o dia da grande festa. A praça estava apinhada, veio gente de todo canto, atraída é claro pelos artistas que tinham sido anunciados na rádio. Como o prefeito tinha feito questão absoluta de ser ele a conduzir toda a festa, apresentando as autoridades e anunciando
os artistas, foi ele mesmo quem fez a abertura do evento. Enalteceu a cidade lembrando da importância que seu pai, avô e tetravô (todos ex-prefeitos) tiveram em seu desenvolvimento, falou de suas obras e dos postinhos de saúde abertos em seu mandato, falou das creches, das
escolas, dos grandes projetos que ainda tinha para o futuro da cidade e de o quanto contava com o voto da população para sua reeleição, e blábláblá.... blábláblá.... blábláblá..., empolgou-se tanto com seu próprio discurso que não parava mais de falar. A certa altura, já suando em
bicas e vermelho como um camarão, aconteceu o insólito: o prefeito engasgou-se com a própria saliva e deu início a uma crise de tosse que só foi passar duas horas e meia depois na maca do hospital, quando ele já estava arroxeado e as enfermeiras já cogitavam entubá-lo. A
população que já estava entediada daquela falação, até teve certo prazer no ocorrido, inclusive porque antes de levarem-no para o hospital ele ainda agarrou o microfone e disse com a voz rouca e abafada:
- E toca a banda!
Tirando esse incidente, foi um festão, o povo caiu no forró junto com as autoridades, que, misturadas ao povão, desfrutaram do anonimato (porque ninguém as apresentou mesmo) e dos chops que a prefeitura distribuíra gratuitamente.
O prefeito ficou alguns dias internado, e mais tarde publicaram na imprensa que ele havia tido uma espécie de alergia a pequi (a “carne do cerrado”, como dizem os mineiros), que havia comido com arroz na véspera da festa. Mas a verdade é que os médicos não sabiam explicar o
que acontecera de fato. O que se sabe é que no segundo dia de internação o prefeito conseguiu balbuciar as primeiras palavras:
- Me chamem o Barbosa...
O Barbosa era o homem de confiança do prefeito, uma espécie de secretário particular (capanga mesmo), pois bem, o que se conta é que ele ficou pouco tempo no quarto e saiu apressadamente com um papel assinado pelo prefeito.
Naquela mesma tarde foram vistas crianças voltando para casa antes do horário habitual e com um ar de profunda tristeza.
Hoje, na praça, ainda toca a banda aos sábados, o velhinho safado voltou a gastar suas tardes a observar as colegiais, os blablatórios voltaram ao coreto, só as crianças é que estranhamente
não mais voltaram a brincar no parquinho ou sequer andar pela praça, tudo isso desde aquele dia em que os tratores da prefeitura arrancaram os três flamboyants.
O prefeito? Ah, sim, está bem de saúde e foi reeleito com facilidade. Seu primeiro ato no governo foi baixar um decreto proibindo a plantação de flamboyants em toda a cidade.