QUEM SABE, SABE
Contam que quando o Prof. Agamenon Magalhães foi nomeado interventor de Pernambuco pelo ditador Getúlio Vargas naquele golpe que se chamou de Estado Novo, logo de início não foi bem visto pela população, mas com o passar do tempo e com os trabalhos, principalmente nas áreas sociais, o governador passou a ser aclamado como o salvador da pátria capaz de resolver quaisquer problemas.
Também por essa época não havia o salutar costume de fazer-se concurso público para o preenchimento das vagas nas diversas secretarias de governo e foi assim que, como todo político matreiro o Prof. Agamenon combinou com os seus secretários que, quando os bilhetes com indicação tivessem erros de grafia, o pedido não devia ser atendido.
Lenira e Arminda, duas moças bem pobres, com muito sacrifício conseguiram terminar o curso normal no Colégio Pinto Júnior, graças a uma bolsa arranjada pelo pároco de Casa Amarela, vez que elas faziam parte da Pia Irmandade das Filhas de Maria.
Aconteceu que num dia oito de dezembro, festa da padroeira no morro da Conceição, o governador, como bom político esteve no meio do povo e convidado pelo padre foi até a casa paroquial para tomar um refresco, porque, em dezembro o sol no Recife é de lascar o cocuruto de qualquer um, seja camumbembe ou governador.
Na ocasião o padre apresentou as moças recém-formadas e elas, mostrando orgulhosas os diplomas com aprovação por “distinção e louvor” pediram uma colocação no Estado.
O governador sem titubear pediu ao padre uma folha de papel e sacando a sua caneta Parker 51 escreveu o bilhete indicando as duas moças. Dobrou cuidadosamente, colocou num envelope e com o sorriso de manequim estampado no rosto cínico dos políticos matreiros, disse que elas entregassem ao Secretário de Educação o mais breve possível.
Felicidade total, muitos agradecimentos e gestos de boa vontade encerraram a visita do governador ao, então, mísero ajuntamento de casebres no alto do morro.
Era alegria demais para conter a curiosidade do que havia escrito naquele papel que, em suma, seria a redenção na vida das duas moças. Com o máximo de cuidado, usando o vapor da chaleira fervente, o envelope foi aberto e o bilhete, simples e direto dizia:
Ao Ilmo Sr Dr Costa Neto
Solicito a deferencia especial de nomear e em consequencia mandar assumir as portadoras no cargo de professoras primarias nessa secretaria
Com protestos de estima e consideracao, A Magalhaes – governador
Ora, como poderia um bacharel em Direito e professor ter escrito um bilhete simples com tantos erros de grafia.
Lenira pegou, na sacristia a caneta Parker do padre e colocou os pontos no final de cada frase e depois das abreviaturas de Ilmo. Sr. e Dr.; colocou o acento circunflexo em deferência e, em conseqüência, o circunflexo e o trema; alterou o nessa para nesta; colocou o cedilha e o til em consideração, o ponto depois do A. e o til em Magalhães.
Quando a nomeação saiu no Diário Oficial, as moças foram ao Palácio agradecer. Surpreso com o fato o governador procurou saber do secretário quem tinha autorizado a nomeação das duas e mais surpreso ainda ficou ao constatar que seus “erros código” haviam sido devidamente corrigidos pelas professoras que, naquele tempo, sabiam escrever.