A CASA GRANDE AO LADO

(- Gabriel Vit)

A família Silva Santos era uma família simples, humilde, interiorana e formada por três homens e duas mulheres. Os pais, Nilva e Benedito, tinham entre 50 e 60 anos, eram pessoas sistemáticas, não ficavam de conversa nem mesmo com os filhos e não faziam outra coisa senão trabalhar.

O filho mais velho, Alberto, de 33 anos trabalhava de retireiro em outra fazenda na região oposta à que ele morava, assim sendo, ele só vinha para casa aos finais de semana. Martina e Veríssimo, os gêmeos de 22 anos de idade, não trabalhavam, ao passo que não eram mais crianças, seus comportamentos também os impossibilitavam de serem chamados de adultos.

A garota se sentia como um peixe fora d'água por viver no lugar que vivia, culpava seus pais por isso e passava a maior parte do tempo em seu quarto fazendo sabe-se lá o quê.

Já Veríssimo era diferente de todos, era bastante simpático e sorridente, no entanto a família não via tais características com bons olhos, já que sorria demais e nunca via problemas em nada, para todos ali, Veríssimo era um tanto quanto louco, sem contar que dizia conversar com um tal Mariano que morava na casa grande ao lado da sua. Uma casa boa, mas que outrora, misteriosamente, fora abandonada.

Por vezes Martina achara que seu irmão dizia aquilo só por implicância, para dizer que tinha um amigo na casa grande e que ela não tinha. Porém, não se prolongou por muito tempo, a família Silva Santos logo descobriria o que estava acontecendo ali.

Tudo começou a acontecer quando o Padre José Quitéria batera na porta dos Silva Santos durante uma madrugada de terça para quarta-feira.

(- Alberto Vasconcelos)

As batidas insistentes na porta da frente, inicialmente despertaram Nilva. Ao seu lado, Benedito envolto na grossa manta de lã, gargarejava o sono dos justos. Novas batidas. Nilva sentada na cama, viu pelo relógio de cabeceira que o sol ainda demoraria algum tempo para tingir o céu com as cores do amanhecer. Chamou o marido, alguém estava chamando e pelo adiantado da hora, não podia ser boa coisa. Sonolento e de mal humor, Benedito viu pela fresta da janela que era o padre.

A notícia de que o filho fora levado para a clínica, desmaiado, foi dita sem meias palavras. Havia suspeita de over dose de entorpecente e eles precisavam ir imediatamente para autorizar os procedimentos médicos necessários para contornar a situação.

Mas a história contada pelo padre, não se encaixava dentro da lógica. Por qual razão, Mariano o “amigo” de Veríssimo tinha procurado ajuda na casa paroquial? Qual a ligação do padre com aquele rapaz estranho, raramente visto entrando ou saindo do casarão?

Veríssimo falava pouco sobre o amigo, mas era notória a influência que esse exercia sobre o rapaz cujo comportamento era motivo de preocupação para os pais. Parecia que tinha vindo ao mundo em férias. Não demonstrava interesse por nada como se procurasse retardar ao máximo as responsabilidades da maturidade.

Agora mais essa suspeita de envolvimento com drogas.

Sobre a maca, ligado ao soro e com intensa sudorese, Veríssimo não esboçou nenhuma reação quando Nilva chamou pelo seu nome. Benedito pegou no braço do filho e, pela frieza das suas mãos brancas como cera veio-lhe a certeza de que o filho estava morto.

(- José Bueno Lima)

Morto? Que nada! Aconteceu que Veríssimo, num daqueles encontros misteriosos com Mariano, na casa grande, tarde-noite daquele dia, ficou surpreso com o bar existente na sala.

Nunca havia ingerido bebida alcóolica em sua vida. Pegou uma garrafa do licor 43, espanhol, serviu-se num cálice e bebeu, docinho, gostou, bebeu outra dose, depois outra, até ficar completamente embriagado. Devido aos remédios que tomava, a coisa complicou.

Mariano fez de tudo para reanimá-lo, até que, desesperado, chamou o SAMU. Então, Veríssimo foi levado para o hospital, e Mariano não querendo comunicar aos pais do amigo, dirigiu-se até a igreja, e contou para o padre José Quitéria, amigo da família.

Portanto, esse era o estado em que Nilva e Benedito encontraram o filho, pós uma bebedeira, já sob os cuidados médicos, e que a ignorância deles dava o filho como morto.

Veríssimo, na realidade, apesar de demonstrar ser louco, como diziam, sofria de dislexia, isto é, não conseguia ler, escrever, e era limítrofe de autismo, como foi comprovado em exames feitos por psiquiatra, psicólogos e profissionais de ensino.

Um aspecto que todos de casa se surpreendiam com ele, era sua facilidade em relação à música. Ele possuía ouvido absoluto, isto é, habilidade em identificar uma nota musical, o que lhe permitia, tocar uma música com grande facilidade ao piano, por exemplo.

Outro aspecto interessante dele, como já foi dito, era sua simpatia e comportamento perante as pessoas, usando um palavreado muito bom, principalmente com a ala feminina, cativando a todos. Não era uma figura detestável, como a família o pintava.

(- Cléa Magnani)

Tanto ele, como Martina demonstravam sentirem-se, “peixes fora d’água”, e eram considerados “estranhos”, por todos.

Martina, se fechava no quarto, e enquanto dormia, seu espírito vagava por esferas onde ela se sentia feliz.

Já Veríssimo, mais ligado às coisas da terra, ria muito, e com isso aparentava simpatia por todos, embora, seu espírito inculto revelasse suas dificuldades, através da dislexia, e autismo, mas quando Veríssimo entrou pela primeira vez naquela casa grande e praticamente abandonada, teve a nítida impressão de estar na casa da fazenda onde vivera no século XIX.

Ali ele era um escravo, filho de uma escrava, hoje sua mãe Nilva, e do Feitor hoje o Padre José Quitéria. O dono da enorme fazenda era o cruel Sinhô Benedito, hoje seu pai. Sinhazinha, hoje sua irmã Martina, era casada com um caixeiro viajante, hoje seu irmão Alberto.

E Mariano, a figura misteriosa da Casa Grande ao Lado, era também escravo.

Após receber violento castigo aplicado pelo feitor, Veríssimo jurou para Mariano que planejava fugir da fazenda.

Na noite da primeira chuva da Primavera, Veríssimo acordou Mariano para que os dois fugissem juntos, Mariano, com medo, não quis acompanhá-lo na fuga.

Quando o Sinhô Benedito soube da fuga, interrogou Mariano, que acabou contando que sabia da fuga de Veríssimo, mas que não o acompanhou.

Foi o bastante para que o Sinhô ordenasse ao Feitor, o maior dos castigos a Mariano, que acabou morrendo no tronco esvaindo-se em sangue, depois da tortura, não antes de jurar que perseguiria Veríssimo até vê-lo destruído.

No dia seguinte o Feitor encontrou Veríssimo e o matou com um tiro, para não ver o filho sucumbir no tronco.

Mariano cumpriu a promessa: - Obsediar Veríssimo. E é o que faz.

- Gabriel Vit

Depois do ocorrido a família voltou os olhares para dentro de sua casa, talvez houvesse ali um pouco de vergonha ou julgamento, eles se olhavam com olhos que compreendiam as particularidades de cada um. O momento não era uma tentativa de mudança, soava como um pedido de desculpas.

A vida não mudou rapidamente, Veríssimo aos poucos foi se desenvolvendo na música, começou a participar dos encontros do coral da igreja e tirou Martina do quarto, ela se revelara uma ótima cantora. Linda de voz e aparência, mas triste de expressão, Martina não se encaixava nem fazendo o que achava ter nascido para fazer.

Num domingo enquanto iam para a igreja Benedito e Nilva se encontraram com Mariano, era o primeiro contato entre eles.

Para surpresa do casal, Mariano não era jovem, deveria ter por volta de 54 anos de idade, tinha boa aparência, se vestia e andava com toda a pompa, mas classe nenhuma esconderia a maldade que existia naquele homem.

Aquele momento fora o suficiente para que o casal decidisse ali mesmo que a casa grande não era o tipo certo de vizinhança que eles precisavam.

Após a missa informaram da mudança.

A família se mudaria para a região que Alberto trabalhava. Martina não reclamou.

Veríssimo não disse nada, mas ficara sentido, agora que ele estava se encaixando, Mariano era um de seus pensamentos frequentes, para Veríssimo, deixar o “amigo” sozinho era a maior prova de deslealdade.

Na alvorada de segunda feira o gêmeo de Martina foi até Mariano na esperança de poder pelo menos se despedir.

Veríssimo foi de peito aberto ao encontro do vizinho e não voltou mais para casa.

Se morreu ou se fugiu, ninguém nunca soube dizer.

Estas pessoas se encontrariam novamente, mas em outras vidas e com outros nomes. Assim como fora no passado, é no presente e será no futuro, até que cada um conclua sua missão no mundo.

Cléa Magnani, ALBERTO VASCONCELOS, GABRIEL VIT e JOSÉ BUENO LIMA
Enviado por Cléa Magnani em 28/06/2021
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