UM FANTASMA NO NECROTÉRIO

Era mês de junho e numa tarde fria e chuvosa de inverno um grave acidente automobilístico onde um carro bateu violentamente contra um caminhão na rodovia que circundava a pequena e pacata cidade interiorana, devido a gravidade do acidente o motorista do carro morreu imediatamente, praticamente esmagado pelas ferragens de seu automovel. A notícia se espalhou por toda a cidade e era o assunto do dia nas prosas de bares e botequins, cada um relatando do seu jeito o fatal episódio.

Na escola onde estudava no período noturno tambem foi pauta de muitas discussões, cada um contando o que ouviu dizer do tal acidente, para terror das meninas e entusiasmo do meninos da sala; naquela noite o professor não compareceu para dar as últimas aulas de nossa classe, após sermos dispensados um dos colegas de sala, levado pela curiosidade de adolescente, teve a brilhante ideia de irmos até o cemitério para ver o morto, visto que o seu corpo, após ter sido retirado dos destroços, foi encaminhado para o que chamavam de necrotério do cemitério local, visto que a cidade não tinha velório era para este espaço que eram encaminhados os corpos que raramente faleciam no município e não tinham família local para o seu guardamento.

Acontece que o cemitério ficava retirado da cidade, era ligado por uma estrada sem iluminação pública e ornadas com arvores de eucaliptos dos dois lados, o que dava ao lugar um ar macabro e para piorar a situação naquela noite fria e chuvosa de inverno a escuridão era ainda mais acentuada e após várias ponderações, ao todo reunimos em oito corajosos rapazes para tal aventura.

Ao sairmos da cidade e rumar para o cemitério, ainda no início da aventura, logo na entrada daquela estrada de terra cascalhada molhada e escura, três deles acabaram desistindo da visita, cinco porem permaneceram firmes na proposta de visitar o morto no cemitério, no caminho o vento frio soprava sobre as arvores que pareciam uivar e a cada piar de coruja ou revoada de algum pássaro assustado, o medo tomava conta dos corajosos rapazes, talvez a maioria deles tivessem arrependidos da empreitada mas voltar sozinho agora era mais assombroso ainda, assim o negócio era seguir com o grupo.

Ao adentrarmos no cemitério, tudo estava deserto como deveria estar, apenas o sibilar das latinhas das perpetuas agitadas pelo vento e o respirar medroso dos rapazes quebrava o silencio da noite, o cercado que circundavam o campo santo deixavam transparecer o vulto da brancura de suas balaústres caiadas, a capela na qual chamavam de necrotério distava a alguns metros do portão de entrada e pela sua janela de vidro empoeirada dava para ver que havia luz no seu interior, todos pararam por um instante.

___ Talvez alguém durante o dia tenha deixado alguma vela acesa para o morto.

Falou alguém do grupo, na tentativa de justificar seu medo, mesmo assim permanecemos parado em frente ao portão de entrada por alguns minutos até que criei coragem e disse:

___ Vamos ficar aqui parados ou vamos criar coragem e entrar para ver o morto?

Dois deles tomaram a dianteira, seguidos pelos demais, já a alguns passos do necrotério, um vulto passa pela janela sentido a porta de entrada, todos veem aquilo, a respiração acelera, as penas tremem, o corpo se arrepia e a vontade de sair correndo do local já estava quase se concretizando quando uma voz ecoa na escuridão:

___ Quem taí?

O terror seria generalizado e a correria certa se não fosse o Gerson, o filho do dono do bar da cantina que reconhece a voz, aliviado e mais que depressa informa a todos:

___ É o Chico Minguta!

O vulto na realidade não era um fantasma, era o Chico Minguta, um conhecido desalentado da cidade vivendo maior parte do tempo embriagado pelos bares e cantinas, que percebendo a presença de pessoas no recinto de cemitério, se levanta, passa por entre a vela acessa e a janela, projetando a sua sobra no vitral e assustando a rapaziada. Com a identificação do fantasma, a coragem volta a tomar conta dos curiosos rapazes que agora seguem apressadamente para a porta de entrada do pequeno necrotério, onde encontramos o Chico que estava sozinho velando o corpo daquele homem muito maltratado pelo acidente.

Feita a visita, matado a curiosidade, retornamos para a cidade, o Chico permaneceu no necrotério pois havia nos dito que não iria deixar o corpo sozinho e que iria esperar a chegada dos parentes do morto, o que ficamos sabendo depois, que só aconteceu no raiar do dia. O medo da viagem de ida agora transcorre de maneira mais calma e tranquila e até o tempo de percurso parece ter sido menor, chegamos na rua iluminada bem no momento em que o relógio da Igreja Matriz dava as doze badaladas da meia noite, nos despedimos e cada um tomou rumo de sua casa.

Maciel de Lima
Enviado por Maciel de Lima em 22/06/2021
Código do texto: T7284761
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