EU TI AVISEI
A boca da noite já mastigava os últimos raios do sol quando Damião chegou carregando um enorme saco com espigas de milho.
(Genu) - Clovito truxe recado de cumpadi Bastião que voimicê deve de i drumi na casa dele mode que amenhã, no cagá dos pinto, eles vai matá o capado e carece de ajutoro.
(Damião) - Entonce num vô nem tumá bãe, pruque vô mi chujame amenhã bem cedo mermo.
(Genu )- Lave pulo meno us pé, mode num chujá a rede de cumade Zefinha. Vô fazê pamõe cum esses mio pá leva quandi fô amenhã lavá os fato do capado.
(Damião )- Eu tô cansado. Vô amuntado no jegue. Amenhã vosmecê vai na carroça. A besta é mansa. Num tem ciênça pá atrelá ela na carroça. Leve uma muda de rôpa, mode eu trocá quandi acabá o seiviço. A misturada já tá pronta modi bebê?
(Genu) - Eu acho que ela deve di amaturá mai um mêsi ô dôi.
(Damião) - Mai eu vô bebê ansim mermo mode me animame. Tô cum os quarto qui num me guento. Tô ficano véi. Careço de discanso.
(Genu) - Vosmecê tem a vida eterna todinha mode discansá. Leve essas dua gamela. Cumadi pediu mode butá a banha anti de derretê.
Corisco, o jumento, tinha o passo macio e apesar da subida longa chegou rápido ao destino.
(Damião) - Cumade Zefinha, ói as gamela qui Genu mandô.
(Zefuinha) - Entre pá drento cumpadi, chegue toma café. Tem broa quentinha e quêjo de quai fazido hoje. Tá novin. Tá sem sá pruque o dotô dixe que Bastião num pode mai cumê cumida sargada, vai tê que fazê rejume, num pode mai tomá as bicada nem fumá u paiêro... vai tê qui tomá uns cachete pô coração di menhã e di noite anti di drumi
(Bastião) - É bestêra desses dotô. Um bando de homi tudo ainda fedeno a mijo querê proibi ieu de tomá minha caninha anti do armoço i di fumá adispoi. Derna de minino que ieu façu isso. Pruquê qui agora vai me fazême má, si nunca fêi? Bestêra, só bêstera.
Damião soltou o jumento no cercado, colocou a cangalha e os arreios no banco da varanda e no meio do jantar, perguntou ao dono da casa.
(Damião) - Cumpadi, vosmicê já banhô o capado?
(Bastião) - Não cumpadi, dexei pá menhã bem cedo modi ele num si chujá na lama do chiquêro. Mai já tirei água da cacimba. A tina tá inté a boca. Água num vai fartá não.
Sentaram-se na varanda da casinha para fumar o palheiro e apreciar a lua cheia reinando solitária na noite. As estrelas tinham se apagado diante da sua claridade.
O compadre Sebastião cambaleou ao levantar-se, levou a mão ao peito, sentou-se outra vez, mas pouco tempo depois foi deitar-se.
(Zefinha) - Sua tipoia tá no cochete da sala, cumpadi. Quando quisé drumi é só botá a tranca na poita. Num dêxe Galega entrá si não os cachorrinho num vai dexá voimecê drumi. Eles fica tudim chorano quandi ela dêxa eles só.
A noite passou rápida demais para quem estava cansado.
Parecia que nem tinha dormido quando os galos começaram a cantar. Damião foi para o chiqueiro dar banho no porcão que seria sacrificado logo mais.
O animal estava inquieto, faminto, mas acalmou-se quando a água fria foi despejada sobre ele acompanhando a vassoura de piaçava por todo o lombo.
O compadre Sebastião chegou com as cordas para amarrarem o bicho e leva-lo para o local do abate.
Clovito, menino do corpo franzino para a idade, também se levantou para assistir ao espetáculo acocorado em cima da mesa que serviria para o pela-porco.
No fogão improvisado ao lado do chiqueiro foi colocado o tacho com água para ferver.
Certeiro, o golpe da faca peixeira de 12 polegadas atingiu o coração do porco que aos guinchos muito altos se despediu da vida enquanto, em golfadas, o sangue denso escorria para dentro da panela que estivera aguardando a sua vez de entrar em cena no assento sem a palha da cadeira velha encostada no chiqueiro.
Os dois homens, apesar das muitas tentativas, não conseguiram colocar o porco abatido sobre a mesa.
Era pesado demais.
Tiraram a tábua da mesa e colocaram debaixo do animal para iniciar a raspagem dos cabelos.
Comadre Genu chegou para ajudar à comadre Zefinha na limpeza e corte das peças, mas o serviço só parou bem depois do meio dia.
Vários pedaços do porco foram entregues a Clovito para levar como brinde aos vizinhos, amigos de longos anos, compadres na maioria, com a recomendação:
(Zefinha) - Coidado, modi num derribá os taco no chão. Num carece í no desembesto não.
O torresmo, sobra do derretimento da banha, foi o acompanhamento do feijão com arroz e macaxeira frita na banha.
Durante todo o serviço os compadres Damião e Sebastião tomaram várias lapadas de aguardente para animar, porque era serviço demais.
Agora, descansando o almoço nas espreguiçadeiras enquanto fumavam o palheiro, o compadre Sebastião disse:
(Bastião) - Meu cumpade leve a cabeça do capado pá vosmicê, pruquê ieu num tô me aguentano de cansado. Tô cum os quarto que num aguento.
E fazendo uma careta de dor, levou a mão ao peito. A palidez e o suor intenso denunciavam o infarto contra o qual nenhum deles sabia o que fazer.
(Genu) - Tem qui leva pô dotô nestante!
Rapidamente compadre Damião atrelou o jumento Corisco na carroça, colocou o compadre dentro para leva-lo para o posto de saúde, enquanto comadre Zefinha, sentada junto ao quase defunto, aos gritos, repetia sem parar:
(Zefinha) - Eu ti avisei Bastião, modi tu pará cô as bicada e di fumá, mai tu é teimoso qui nem jumento. Agora tás aí morreno... Eu ti avisei peste..., eu ti avisei..., eu ti avisei...