A PROFESSORINHA

Personagens

Hermes – engenheiro

Marta – professora

José Roberto – dono da pensão

Joaquim Antônio de Macedo - juiz

ARISTEU FATAL

Hermes tinha o costume de todos os dias tomar o café da manhã no Café do Ponto, situado na rodoviária da cidade. Morava em Guará, região de Franca, estado de São Paulo. O local não era muito, ou nada movimentado, só havendo mais circulação de pessoas, quando da chegada algum ônibus, o que acontecia de hora em hora. Assim, ele lia a Folha, recém-chegada, de ponta a ponta na mesinha que, por tradição, lhe era reservada. Era pleno verão, e como em todo interior de São Paulo, o forte calor, tão abrasador, “dava para fritar ovo no asfalto”, conforme diziam os idosos que ficavam na praça da Matriz. Por volta das nove horas, naquele dia, entrava na estação um Cometa, vindo de São Paulo, completamente lotado, pois em seguida, partiria para Uberaba, onde haveria um festival, com diversas atrações. Os passageiros desceram que parecia um furacão, sequiosos por um café, lanches e outros petiscos. Lotaram o ambiente, e a moça franzina, puxando uma enorme mala, ficou sem onde sentar. Hermes, notou o desespero da jovem, oferecendo o lugar vago de sua mesa, o que ela aceitou imediatamente, pois o cansaço era visível em seu semblante. Depois de se acomodar e agradecer a gentileza, a moça se apresentou, Marta o seu nome, vinha de São Paulo onde morava em Itaquera, filha única de um casal de gente humilde. Vinha para tomar posse como professora do grupo escolar da cidade, sua primeira cadeira, após se formar no curso normal. Hermes, por sua vez, contou que era engenheiro, solteiro, trabalhava na construção de uma barragem ali. Sua família morava em Piquete, no Vale do Paraíba. Marta então perguntou ao Hermes, onde ela poderia arrumar um local para se alojar, e o rapaz lhe respondeu que morava numa pensão familiar, tradicional da cidade, que, inclusive servia refeição, por sinal muito boa. Local bem estruturado, limpeza absoluta, e bem acessível ao bolso de quem está começando a carreira. Marta se interessou, e Hermes se prontificou a levá-la. Marta se encantou com tudo o que Hermes lhe fez, ficando mais tranquila, para enfrentar, não só uma cidade desconhecida, como também o início de seu trabalho. (25 linhas)

Sílvia Grant

Após um café reforçado, Marta animada pediu a Hermes que lhe desse as coordenadas para chegar à referida pensão, ao que ele prontamente tomando-lhe das mãos a bagagem, indicou-lhe a frente em direção à igreja Matriz. Andaram por alamedas floridas ao som de crianças correndo. Cães brincavam ou se espreguiçavam ao sol, bicicletas cruzavam entre alguns poucos carros estacionados a meio-fio. Vez ou outra apareciam carroças e cavalos. As pessoas mostravam-se alegres e amigáveis. As casas tinham jardins bem cuidados com flores e, até mesmo podia-se ver pelas ruas árvores carregadas de frutas, como a frondosa mangueira que se erguia em frente a ela. Marta estava encantada. Quanta diferença das ruas sujas, das pessoas carrancudas e sombrias da sua vizinhança, do ar poluído e fétido gerado pelo lixão próximo à comunidade onde morara durante toda a sua vida. Eram prenúncios alvissareiros, sem a menor dúvida! Hermes não parava de falar. Contou sobre a barragem que estava construindo, sobre os benefícios e desenvolvimento que traria à cidade quando a obra estivesse concluída, sobre os seus planos em estabelecer-se como engenheiro em Franca e de lá formar família. Após uns quinze minutos andando sob o sol escaldante, morrendo de sede, finalmente, chegaram a PENSÃO DAS TRÊS COLINAS. José Roberto, o dono da pensão estava na recepção e recebeu-os com um largo sorriso de boas-vindas. Após uma breve apresentação, a entrega dos documentos para formalizar os registros, o esclarecimento dos horários de funcionamento e das regras do estabelecimento, Marta dirigiu-se ao seu quarto para um merecido e relaxante banho. Foi então que a sorte começou a mudar.... Ao abrir a mala, Marta percebeu que aquela não era a sua mala. Era exatamente igual na cor, na marca, mas o conteúdo a surpreendera. Sua mala estava repleta de drogas sintéticas, cartelas de anfetaminas, ecstasy, anabolizantes, efedrinas, morfinas, inalantes além de uma enorme quantidade de crack, saquinhos de cocaína, cristais de haxixe, maconha e …armas! Marta estava apavorada. E agora? O que fazer? Precisava procurar a polícia, mas estava com medo. Quem teria ficado com a sua mala? Teria sido seguida? Corria perigo? (25 linhas)

Alberto Vasconcelos

Marta calçou novamente os sapatos e voltou à sala onde os dois homens ainda conversavam. Em rápidas palavras contou todo o drama em que estava envolvida e pediu para chamarem a polícia, porque ela estava com medo de sair da pensão e ser abordada pelos bandidos donos da “mercadoria”. Não demorou muito e uma viatura da polícia estadual chegou. O investigador fez as perguntas de praxe e disse que deveriam esperar pelos agentes da polícia federal que já tinham sido notificados e que chegariam em pouco tempo. Enquanto isso, numa barreira policial montada na praça de pedágio bem antes de Ituverava, a polícia federal, que havia sido alertada sobre o tráfico dos entorpecentes estava revistando o ônibus em que Marta viajara, quando, pelo rádio, foi informada de que a droga já havia sido entregue e que, apesar da aparente inocência, a pessoa que denunciou, poderia ser a mula contratada e que, por qualquer motivo, resolvera desencaminhar a entrega. Os investigadores recolheram a mala no quarto da pensão e levaram Marta para a delegacia a fim de registrar o boletim de ocorrência e aonde ela ficaria detida para averiguações. Ela foi informada de que deveria contratar um advogado para acompanhar o inquérito, vez que, perante a lei, estava enquadrada no crime de tráfico de drogas. As horas se arrastavam lentamente e os sons vindos da rua em nada diminuíam a ansiedade que Marta estava sentindo. Apesar da forma delicada com que foi inquerida pelo agente federal, havia nítida desconfiança na veracidade das suas palavras nas inúmeras vezes em que teve que repetir os acontecimentos desde o embarque na capital. Para completar a maré de azar de Marta, a audiência de custódia, calhou ser presidida por S. Exª o juiz Joaquim Antônio de Macedo, notável pelo combate ao narcotráfico, notadamente depois que, por vingança de facção criminosa, seu filho fora sequestrado e morto. Ao se inteirar do boletim de ocorrência e depois de ouvir o depoimento da acusada, desconsiderou a máxima jurídica “in dubio pro reo” e determinou a prisão preventiva com imediato recolhimento ao presídio de Tremembé. (25 linhas)

Cléa

Era um pesadelo, pensava Marta desconsolada. Como, em apenas algumas horas, sua vida pôde ter virado de cabeça para baixo?... Como provar sua inocência se não tinha advogado? Não conhecia ninguém na cidade. Como reagiriam seus pais, pessoas humildes e despreparadas? Para onde seria levada?... Na manhã seguinte, depois de passar a noite em claro aguardando numa cela até que os trâmites legais para a detenção fossem feitos, a jovem Professorinha foi encaminhada para uma cela onde várias mulheres aguardavam solução para seus casos. Marta foi recebida com olhares debochados e palavras pouco amistosas. Exausta, sentou-se no chão, ao canto da cela, e chorou em silêncio toda a dor que a infame injustiça lhe causava. Não falou com ninguém, não se alimentou. Apenas rezava para que tudo aquilo tivesse um fim. Na tarde do segundo dia de sua prisão em Tremembé, recebeu a visita de Hermes, que preocupadíssimo com o destino daquela jovem tão frágil que o destino lhe colocara no caminho, informou-se na delegacia de Guará para onde a haviam levado. Foi como uma Luz para Marta, rever o rapaz com quem convivera por alguns poucos minutos, desde que desembarcara em Guará, até a chegada à pensão, e que agora era o único rosto conhecido e amistoso que via nesses dias. Atirou-se nos braços de Hermes e chorou sentidamente. Após acalmá-la, e muito emocionado também, o jovem engenheiro lhe contou que a polícia havia prendido a facção criminosa que em Ituverava, aguardava a mala trocada inadvertidamente pelo motorista do Cometa, na hora em que ela desembarcou em Guará. Quando o chefe da quadrilha recebeu a mala com roupas femininas, enfurecido, atirou em quem a pegou na estação rodoviária, matando-o friamente. Essa atitude intempestiva, despertou suspeita da polícia que estava em alerta e depois de um cerrado tiroteio, ferido, o chefe foi detido e confessou todo o esquema, afirmando desconhecer a jovem que teve a mala trocada. Seis meses depois de toda a aventura, Hermes e Marta se casaram na Paróquia de Santo Antônio, Matriz da cidade de Guará. (25 linhas)