A Herança do fazendeiro
No interior de Minas Gerais conta-se uma história que é assim:
Um fazendeiro viúvo tinha quatro ou cinco filhos, e todos os anos eles se reuniam para o aniversário do pai. As festas eram sempre muito alegres. A baciada de netos e bisnetos tornava a fazenda um verdadeiro parque de diversões. No entanto, quando o patriarca passou dos 80 e começou a ficar doente, o assunto das reuniões familiares começou a ser a repartição da herança. Um dia o velho ficou de saco cheio e disse:
– Herança é quando eu morrer. Até lá, isso tudo aqui é patrimônio meu. Se eu quiser, dou tudo para fulano, ou vendo tudo e dou o dinheiro pra uma instituição de caridade.
Fulano, nesse caso, era o seu neto preferido, divertido, puxa saco, falido, endividado e farrista. A ovelha negra da família.
O que os filhos fizeram? Interditaram o pai. Conseguiram um atestado médico de insanidade mental e encontraram um juiz que daria qualquer sentença por uma módica contribuição a determinada instituição particular.
Um ano e pouco depois, o velho morreu. Dizem que foi por desgosto. Os filhos nunca mais conseguiram se reunir. Um se tornou vereador por um determinado partido, outro foi deputado pelo partido contrário, o terceiro foi morar em outro estado, o quarto jurou que nunca mais falaria com seus irmãos e assim cada um foi para o seu lado. Dez anos depois os primos nem se conheciam mais. O tal neto preferido ganhou a parte dele, comprou uma empresa, faliu de novo e dizem que morreu ainda jovem, pobre e endividado.
Essa história já foi contada em várias novelas de televisão, com variações nos “detalhes sórdidos”.
Mesmo assim, o assunto continua sendo tabu. Onde quer que seja, quando alguém lembra a história, a conversa acaba. Ou vira discussão. Uns dizem que os filhos foram imorais, outros acham que eles lutaram pelos seus interesses, o que seria perfeitamente legítimo. Há quem diga que o velho simplesmente colheu o que plantou porque, se os filhos eram egoístas a ponto de tirar dele tudo o que tinha, ou seja, a alegria de reunir os filhos, o poder sobre seu patrimônio, a dignidade de decidir sobre o que era seu, foi porque foram criados desse modo pervertido. Se os tivesse educado de outra forma, para serem respeitosos e não interesseiros, poderia ter vivido muito tempo mais, sendo amado e cuidado pelos filhos, noras e genros.
Enfim, essa história não tem nada de original. Na realidade não aconteceu só uma vez, e com certeza se repetirá infinitamente, onde o egoísmo for maior que o amor familiar.