Eternamente Ilza

Eu sabia que tinha uma grande amiga. Só não a imaginava num valor tão imenso. Um valor só descoberto com sua partida. Descoberta que teve um preço. Um preço alto! Uma dor lá no fundo da minh’alma. Afinal, se nem todos temos a grandeza de descobrir o grande valor daquilo que veio parar na nossa vida sem a perda de um ente querido... Infelizmente, faço parte deste time.

Estávamos no final da primeira quinzena do mês de junho. Aquela semana daria tudo pra ser uma semana especial, pois, pela segunda vez, em menos de um mês, ministraria a palestra “Como escrever um livro” na minha comunidade.

Estava empolgado. Foi a primeira vez realizei o papel de palestrante. Foi a melhor coisa a ser feito. Aprendi muito mais do quanto eu imaginava. Não havia-me tornado um fera na literatura, mas o tempo proveitoso durante a época do meu primeiro livro, foi crucial. Pois, nos meus tempos da primeira escrita, não estaria apenas aprendendo a se aperfeiçoar no meu livro, mas carregaria para sempre na minha bagagem. Tanto para o primeiro ou aos que viessem adiante.

Na trajetória do meu primeiro livro, conheci uma grande amiga. E bota amiga! Tive a oportunidade de conhecê-la nos seus últimos anos de vida. Anos surpreendentes. Nunca a vi de baixo astral. Muito menos reclamar da vida. Em tudo era otimista. Tudo caminhava como deveria estar. Acreditava que se algo em nós viesse a nos surpreender de alguma forma que não gostaríamos, isso não era motivo para abalarmos. O plano de Deus ou daquilo do qual teríamos a fé, estaria a cima de todas as coisas e se algo aconteceu ou deixou de acontecer, é porque Deus soube o motivo.

Ilza, era esse o seu nome. Essa, eu jamais esquecerei. Não por ela já ter partido, mas pela maravilhosa amizade concedida.

Na segunda palestra a dar, já no início da semana, a encontrei e por incrível que pareça, ela demonstrou grande interesse em participar.

Alegou que a vontade já existia desde a primeira palestra, mas como não deu... Na segunda, gostaria de estar presente. Porém, a necessidade de ter que fazer uma viagem junto do esposo e sogra, a impediu de participar. Algo que era para informá-la da próxima. Estaria muita curiosa para ver como eu me sairia ao público, explicando aquilo que há anos aprendi em quatro paredes.

Nesse dia, pouco conversamos, afinal, dali a alguns segundos, teria ela que se arrumar para lecionar numa escola próxima dali.

E eu, já pelo caminho a tomar, teria apenas alguns segundos para fechar alguns detalhes com o responsável pelo local da palestra da semana.

Crentes que nos viríamos ainda por aqueles dias, numa simples despedida, nos despedimos.

A semana passou. Estávamos na véspera do dia da segunda palestra. Nesse dia estava de serviço. Como trabalhava em escola e nesse dia era um feriado, resolvi levar alguns materiais para montar em “flipcharp” `à matéria da palestra.

De vício conquistado na trajetória de conversar em público, um dia antes, preparei-me falando em voz alta, era como se já estivesse em público, explicando a matéria.

Naquele momento, percebi uma coisa estranha. Parecia não estar sozinho. Senti e muito alguém a mais estaria assistindo minha preparação. Ilza, não saía da minha cabeça. Pensei que fosse por causa de nossa última conversa. Afinal, ela demonstrou muita curiosa em me ver como palestrante. E eu, ali dando o máximo, sempre numa gaguejada. Algo me preocupou, vai que aquela gaguejada repetisse ao público.

Ilza continuou a não sair da minha mente. A sensação de alguém a mais estaria por ali, também. Algo seria impossível, pois, por ali só estaria eu. Era um feriado e foi eu mesmo que fechei a escola no dia anterior.

Não me amedrontou. Com a tarefa a realizar, procurei exercê-la, até finalizá-la, pois no dia seguinte teria que ter a matéria em mente.

O dia prosseguiu. As horas passaram. Dali a algumas horas, meu expediente veio a encerrar. Com as horas passando, não sei como explicar, mas senti e muito que realmente não estaria sozinho. Não era Deus! Junto àquela sensação, esse ser procurava me avisar, um acontecimento muito triste me aguardaria. Sem noção do que seria, não dei importância. Afinal, aquele recado parecia muito real. Como não era ninguém pessoalmente me alertando, evitei a acreditar naquilo.

O expediente encerrou. Fui para o ponto de ônibus e aguardei a condução passar. O bendito sentimento voltou a me sensibilizar. Não queria abater naquilo, por mais que mexesse fortemente comigo. Minha mente não entendia, minha alma aparentava enxergar algo à vista e pressenti não era algo normal. Resultado, infiltrou uma angústia muito grande dentro do meu peito.

A condução chegou. Já próxima a mim, dei o sinal e logo a tomei o destino a minha casa. Próximo ao portão de casa, a angústia sufocou-me de vez, mas como nada até àquele momento teria se concretizado, mesmo com a tristeza, entrei em casa, atravessei da sala à cozinha. Trajeto impossível de não realizar. Próximo à mesa da cozinha, uma das minhas irmãs me chamou-me, dizendo:

— É melhor você se sentar! Tenho uma notícia muito triste para te dar.

Não dei atenção. Não liguei aquela conversa com o sentimento cujo dominado o meu coração. Continuei caminhando ao meu quarto, recusando o convite.

Porém, como não houve resposta da minha parte, minha irmã foi direto ao assunto:

— A Ilza, aquela sua amiga da Moabe, morreu.

— Até parece, ainda nessa semana, conversei com ela. – contestei, apostando que minha irmã estivesse de gozação com a minha cara. Pois, em casa tínhamos certa mania de inventar que “fulano”, “beltrano” ou “sicrano” havia morrido e na hora da “agá”, nada era real.

Se em minha irmã não consegui acreditar, após minhas últimas palavras, o telefone tocou. Era Júlio, meu amigo. Amigo de Ilza também.

Corri para atendê-lo:

— Já soube da maior? – perguntou-me, sem ao menos dar uma pausa a minha resposta. — A Ilza morreu.

Aquilo foi um baque. O mundo havia desabar sobre minha cabeça. Não queria acreditar. Afinal, Ilza aparentava e muito ter uma saúde de ferro. Nunca, nesses nove anos da qual a conheci, ouvi de sua boca algum problema de saúde ou outra coisa que pudesse causar sua morte.

Infelizmente, mais uma vez a vida me surpreendeu. Ilza não nos deixou por saúde. Foi por acidente. De retorno para a casa, após a viagem que estaria fazendo em companhia do esposo com a sogra, num grave acidente eles se chocaram e ela não resistiu.

Não queria acreditar. Afinal, quem era eu? Na realidade o seu dia de partida havia chegado e sua missão era nos deixar.

Tenso com a notícia, em poucas palavras desconjurei do recado. Mas fazer o quê? Era real. O sufoco era grande. Ao desligar o telefone fui à casa dela. Confirmar tudo de perto. Não encontrei seus familiares. Os que encontrei foram seus vizinhos, mais tensos do que eu, pois, a Ilza minha amiga, era a mesma com todos que a conheciam.

O sufoco virou choro. Somente, ali, pude ligar aquele pressentimento da tarde com o bendito momento.

Ilza partiu deste mundo.

Aquela sensação não foi em vão. Era ela, me preparando para a sua partida. Afinal, tínhamos uma forte amizade. Sem falar que ela estaria corrigindo o meu primeiro livro.

Perder a revisora do meu livro não era tão importante quanto à perca da grande amiga. Chorei muito durante aquela semana. Numa daquelas noites, a angústia foi tão grande, que necessitei ligar para um outro amigo meu, Paulo, precisei e muito do seu ombro amigo. Pois, ele sabia a dor que a perda daquela amiga havia causado em mim.

Já se passaram meses. Até hoje não a esqueci. Parece que foi ontem, nossa despedida. Até hoje lembro do seu semblante otimista. No seu velório foi impossível eu não comparecer, pois, necessitei despedir da grande amiga. Se eu não fosse, a dor seria maior. Ela não era apenas uma amiga. Foi um anjo! Com ela muitas coisas aprendi, principalmente: “nunca deixar de acreditar em Deus e nos meus sonhos”.

Valeu a pena conhecê-la. A única coisa que não valeu foi deixar passar despercebida nossa última despedida. Apenas com um tchau, comprometendo-nos de nos vermos em uma das minhas palestras.

A palestra daquela semana tive que apresentar, mesmo arrasado, pois, essa apresentação era um ponto para o projeto do meu livro. No meio da palestra, soltei uma frase que no nosso último encontro havíamos conversado. Aquilo foi fatal! Na hora recordei! Pausei, pois, palavras já não saíam mais da mim. Respirei fundo. Pedi forças pra Deus. Se Ilza estivesse viva, seria ela me aconselhando para apegar a Ele, não deixando o nervosismo acabar com o momento.

Arrasado, por pouco não dei um basta na palestra! O exemplo de sua passagem em minha vida me fez voltar atrás, apegando a Deus e mesmo rastejando caminhei na busca da minha meta. O público percebeu. Nervoso, procurei me acalmar. Explicando-os o fato e pedindo-lhes desculpas ao ocorrido.

Até hoje eu não sei o que o público daquela palestra guardou de mim. Aquilo também ficará gravado no meu peito.

Ilza se foi, e eu jamais poderia imaginar o valor da brava guerreira cuja até hoje provoca em mim.