CHEIRO DE CHÃO
Dias desses estava tranquilo, vivendo minha vida de homem aposentado, sem preocupação com o trabalho, apenas ocupando o tempo que agora passa tão rapidamente, neste interim o meu pensamento divagou pelo tempo passado, retornou a mais de meio século atras e levei um baita susto, meu Deus! Como as coisas eram diferentes a tão pouco tempo, são apenas meio século e alguns anos que não completam uma dezena, quando comecei no meu primeiro ano de estudo numa escola de emergência criada por ações de alguns pais, inclusive o meu, lá no bairro onde morávamos.
Naquele tempo a zona rural, na minha região popularmente conhecida como na roça ou no sitio as coisas eram bem diferentes, a começar pela população que eram mais numerosas do que na zona urbana, ou na cidade, como diziam. Era um bairro pequeno mais tinha muitos moradores, algumas dezena deles eram pequenos proprietários de terra, outros eram seus agregados compostos de meeiros, arrendatários e os famosos formadores de café, haja visto que a lavoura de café ocupava uma grande extensão de terra pois devido a altitude do município, a geada não judiava tanto dos cafezais, principalmente os plantados nas encostas do espigão. As famílias naquele tempo tambem eram numerosas, eram comum famílias com dez ou mais filhos.
Lembro como se fosse hoje, no primeiro dia de aula, meu pai nos acompanhou até a escola, até então éramos dois, eu e meu primo mas não demorou muita à juntarmos com outros alunos e fazer um roteiro diferente. A Escola parecia ficar tão longe, o que na realidade não passava de uns dois quilômetros de casa. Ela ficava na propriedade de um sitiante do bairro, local escolhido pela centralidade de seu sitio, facilitando o trafego de criança de ambas as partes do bairro, além do que a propriedade tinha uma tulha de café que a princípio serviria como sala de aula para os seus quarenta e dois alunos matriculados. Ali iriamos estudar até meados do ano, quando a prefeitura prometeu a construção de uma escolinha mais adequada para o bairro, o que realmente aconteceu, parece que naquele tempo até a promessa politica era mais seria do que nos tempos de hoje.
Estudávamos todos juntos e misturados, alunos de primeiro, segundo e terceiro ano primario, sendo que maioria estavam no primeiro ano, com diferença para os dias atuais de que estes alunos eram crianças que nem sequer sabiam pegar no lápis, muito menos escrever, trabalho dobrado para a professora que vinha da cidade, numa charrete de aluguel, meio de transporte que hoje, mesmo em pequenas cidades, não existe mais e em consequência a profissão de charreteiro tambem desapareceu.
As Aulas eram ministradas no período da tarde e logo após o almoço, por volta das dez horas eu e o meu primo saiamos de casa, indo primeiramente até a casa de nosso vizinho de propriedade que tambem tinha uma filha na escola, lá juntávamos com demais alunos que vinha subindo bairro acima e juntos caminhávamos para escola. Neste trecho passávamos por uma pequena mata, num corredor por onde as vacas costumavam subir depois de ordenhadas, por ser um local úmido maior parte do tempo devido a sombra da mata, tinha o frescor da natureza e exalava um cheiro gostos de chão misturado com o odor do gado, coisas que não se entende nos dias de hoje, mas são doces lembranças que ainda trago comigo.
Neste local hoje já não existe a mata, não tem o gado leiteiro subindo do curral, tudo virou plantação e foi incorporado por um grande proprietário do lugarejo que aliás, acabou englobando todos os pequenos sitiantes do bairro que levados por ilusões de uma vida boa na cidade, acabaram vendendo suas terras e para lá se mudaram, destino não diferente de meus pais, com a diferença de que o nosso pequeno sitio, embora não sendo de nossa propriedade, continua existindo como uma ilha, rodeada de grandes fazendas por todos os lados.