O Lobisomem
Quando menina gostava de ficar com minha avó paterna, pois não tinha mais minha avó materna. Eu sempre soube que o nome dela era Helena, como todos a chamavam. Só quando ela faleceu e eu cuidei do enterro, vi na Certidão de Óbito que o verdadeiro nome dela era Irene. Tentei entender, pensando que talvez nem ela soubesse seu verdadeiro nome.
Eu saia sempre com ela e íamos visitar os parentes dela. Era um tal de dar-nos canecas cheias de café e eu bebericava um pouquinho e logo ia para a cozinha lavar a caneca e jogava o café restante. Era uma boa desculpa.
Fomos muitas vezes em uma prima de minha avó chamada Lázara e lá vinham canecadas de café. Ela gostava de relembrar com minha avó os tempos antigos e causos acontecidos lá no sítio do Bairro Campininha, pertencente à zona rural da cidade de Cesário Lange.
Um dos causos que me chamou à atenção e eu morria de medo era o do lobisomem. Tia Lázara, como eu a chamava, nos contou este fato ocorrido com ela.
Lá no sítio era comum se reunirem para conversar, faziam rodas de conversa e ficavam até tarde da noite contando histórias. Eu mesma já participei quando menina destas conversas ou causos como diziam. Numa destas noites de histórias, um amigo da família contou que foi embora muito tarde do sítio de um amigo e foi pedido para ele não ir, pois era sexta feira de lua cheia e com certeza o lobisomem estaria rondando por lá. Ele contrariando os amigos, foi embora a cavalo e no meio da estrada, um enorme cachorro assustou o cavalo e ele caiu, foi quando o lobisomem veio na sua direção, mas ele desmaiou. No dia seguinte acordou na porteira de sua casa com a roupa toda rasgada. Tia Lázara, ao ouvir isso disse, eu não tenho medo do lobisomem, se ele aparecer, monto nele e ele vai me levar até em casa e eu ainda mando ele vir no dia seguinte buscar sal em casa, assim descubro quem é ele e riu muito. Contaram naquela noite muitos causos até tarde da noite.
Tia Lázara disse que ia embora, mas todos aconselharam-na a “posar”, dormir no sítio e ir embora no dia seguinte. Mas como ela era muito teimosa, resolveu ir assim mesmo. Era noite de lua cheia. Ela alegou não ter medo algum. Pegou seu cavalo e foi seguindo pela estrada para casa, não era tão longe. No meio do caminho um enorme cachorro peludo apareceu na frente do cavalo e ele empinou derrubando-a no chão. O cavalo assustou-se e fugiu e ela ficou ali caída ao chão. Foi quando de repente, aquele enorme cachorro veio na sua direção e a jogou para as costas dele e ele saiu em disparada, ela desmaiou e só acordou no dia seguinte na porta de sua casa no sítio onde morava. Suas roupas estavam rasgadas e ela entrou e contou aos pais o acontecido. Ela disse não ter tido medo e que andou montada no lobisomem esperou se ia aparecer o tal lobisomem na forma humana buscar sal.
Quando foi à tarde, para a surpresa da família um moço do sítio vizinho veio pedir sal emprestado. Tia Lázara sem medo algum, deu sal ao seu vizinho numa xícara e o moço sorriu para ela agradecendo. Foi nesta hora que ela viu nos seus dentes um fiapo do seu vestido verde. Neste momento sentiu um medo sem fim, não conseguiu dizer nada e o moço foi embora.
Tia Lázara sempre contou com a maior convicção que teve esta experiência e que no dia seguinte viu quem se transformava em lobisomem nas noites de lua cheia. E sempre quando era lua cheia, ela ouvia barulhos no galinheiro do sítio. Ela tinha a certeza de que o lobisomem rondava ali no sítio e que entrava no galinheiro para rolar nas titicas de galinha.
O causo do lobisomem vivido pela tia Lázara era sempre contado nas rodas de conversa e a criançada sempre pedia para ouvir, mas todos nós morríamos de medo depois, inclusive quando passávamos as férias no sítio e nunca íamos sozinhos à privada que ficava do lado de fora da casa. Qualquer barulho nos fazia correr para dentro de casa. Mesmo com muito medo, gostávamos de ouvir estas histórias de medo.