OS SETE PECADOS CAPITAIS - IRA

- Com licença pessoal, com licença! Ia pedindo o garçon entre os inúmeros convidados no jardim da casa onde se realizava a festa de casamento da caçula do Dr. Ronaldo Coelho, delegado daquela cidade do nordeste. Homem respeitado por sua honradez e pela maneira severa como tratava bandidos e os subordinados - até porque entre os subordinados ele não podia diferenciar os que também eram bandidos, coisa muito comum em nosso país e que já nem nos causa estranheza.

Morgana, sua filha, era realmente linda, mas seu nome já havia rolado à boca miúda entre muitos dos convidados e de não convidados e seu apelido, Ganinha aproximava-se, perigosamente do nome de uma ave cuja espécie é bem comum e que ao molho pardo, é realmente saborosa.

A festa transcorria em total paz e respeito. O noivo, Marivaldo Leitão, tinha fama de valente. Era forte e temido, amava a moça desesperadamente e nem sequer dava ouvidos à sua mãe, que o aconselhara a não desposar a jovem, pois o que ela ouvira sobre ela nas conversas de comadres, não recomendavam em nada a futura possível nora.

Lá pelas tantas, depois de rolar todo o tipo de bebida, Crispim, famoso beberrão e penetra da cidade, cuja língua já parecia um carretel, querendo elogiar os noivos, propôs um brinde a ambos. Subindo em uma cadeira, em tom alto com sua voz enrolada sugeriu:

- Pessoal, tamo aqui parra comemorar o casamento de nossos quirridos amigos e quelro paralbenizar meu querido amigo Marivarldo, por haver escolhido nossa querida GALINHA para sua esposa. – e levantou seu copo.

Silencio quase total, apenas pequenos risinhos abafados se ouviram. Mas um engraçadinho, também penetra daqueles provocadores com voz de falsete, gritou lá de trás:

- Muito bem! Falou o que não devia, mas acertou no que todo mundo sabia.

Pra que?!!

Marivaldo, irado, esticava o pescoço tentado identificar quem falara. O silêncio agora prenunciava tragédia. Como não conseguia descobrir quem o fizera, resolveu pergunta em voz bem alta:

- QUEM FOI O PALHAÇO QUE SOLTOU A PIADINHA? SE FOR HOMEM REPITA QUE VOU METER-LHE A PORRADA!

Silêncio... Então D. Julia, manjada fofoqueira do lugar, discretamente por trás do penetra, apontou o tipo para o noivo.

Ganinha assistia a tudo calada. Seu coração dava saltos, parecia pressentir que aquilo não ia acabar bem, mas conhecia bem o noivo e seu pai, e sabia que não adiantava intervir.

O sinal feito por D. Julia foi o bastante para começar a confusão. Marivaldo e o delegado, pai da noiva, partiram para cima do sujeito, seguraram-no pelo colarinho e toma-lhe tapas, socos, pontapés e cabeçadas, mas o tipo também era forte e reagia tentando desvencilhar-se. Assim, acabou acertando um direto no rosto do delegado, que desabou sentado em uma poça de lama do jardim sujando de negro seu terno antes imaculadamente branco. No branco de seus olhos, as pequenas raízes vermelhas da ira surgiram. Ele levantou-se, ainda meio tonto, meteu a mão na cintura, sacou seu revólver e quando ia disparar, sua mulher puxou-lhe o braço para o lado, mas não impediu que ele apertasse o gatilho.

Ouviu-se um POP! seguido de um grito de dor feminino e um corpo de mulher vestido de branco, onde antes um coração saltava assustado, e que agora parara de bater tombou inerte e ensanguentado na varanda da casa. Dr. Ronaldo havia matado a própria filha.

A ira é um sentimento de limites desconhecidos, e cujas consequências, são e serão sempre incalculáveis.

(Do meu livro QUEM CONTA UM CONTO, CONTA MUITOS NAIS)

Jogon Santos
Enviado por Jogon Santos em 07/04/2021
Reeditado em 07/04/2021
Código do texto: T7225943
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