Entrevista com o lobisomem
Entrevista com o lobisomem (José Carlos de Bom Sucesso – Academia Lavrense de Letras)
Cláudio, um jovem recém-formado da faculdade de jornalismo, estava meio deprimido pelo fato de querer brilhar na carreira de jornalista. O momento não era tão favorável assim, mas sempre ele tinha em mente que deveria lutar, buscar muitas informações e o resultado almejado seria ser âncora do telejornalismo.
Em um sítio, zona rural longe da cidade, mais ou menos uns trinta quilômetros, ele passava os feriados da Semana Santa. Feliz por estar ali e repensando o que faria para brilhar na profissão, ele fazia as caminhadas apreciando a natureza, as flores roxas da quaresmeira, ouvia o cântico dos pássaros e a linda natureza.
Após o almoço da Sexta-feira da Paixão, após um longo cochilo deitado na fresca sombra de uma grande árvore de óleo, ele pensou nas estórias dos avôs sobre o mistério da quaresma. Um jovem convivido com os dogmas religiosos, cheio de normas culturais, mas que sempre brilhava na mente. Curioso por certos fenômenos da natureza, por descobertas científicas, artigos cósmicos, biológicos e até místicos, ele pensava qual seria a melhor maneira para alavancar na profissão. Recebeu convite para ser cronista de um jornal digital, recebeu convite para fazer comerciais na televisão e no rádio, tinha canal na internet, ele sempre estava feliz. Jovem, ainda, mas com uma bagagem bem grande e um imenso futuro promissor.
Na tarde amena, após ler um livro de um escritor sobre coisas além da natureza, ele relembrou os contos e os escritos da quaresma. Mula sem cabeça e lobisomem eram tudo aquilo que gostaria de pesquisar. Pensou por um instante se ali, no meio do campo, um lugar ermo, onde somente podia ver luzes de aviões voando no longo céu, cânticos de pássaros, corujas e o som forte do vento vindo de leste, pois já era a estação de outono.
Fechou os olhos por um instante e veio à mente se ali, debaixo daquela grande árvore, aparecesse um lobisomem bem feroz, peludo, bravo, com grandes dentes na boca, olhos vermelhos, mãos pretas e peludas... Para ele seria tudo de bom. Com uma câmera em mãos, acima de um tripé, ele poderia entrevistar o bicho. Editaria o vídeo e levaria à emissora de televisão. A entrevista seria tão forte e faria um enorme sucesso. Seria o passo para o jornalismo.
Ficção, pensou ele.
A noite chegou rápida. De banho tomado, com o jantar à mesa, ele comentou com os familiares. Ouviu dos pais e dos avôs causos sobre a quaresma, sobre lobisomem e outros mitos do folclore brasileiro. Sorrindo e após uma breve olhada na janela da sala, falou que iria passear na noite.
Munido de uma boa lanterna, botas e uma câmera fotográfica e filmadora, Cláudio despediu dos que ali estavam e foi para o passeio noturno.
A noite estava linda. Várias estrelas na abóboda celeste. A lua brilhava no firmamento. Grilos, cigarras e outros insetos davam vida à noite. Pequenas rajadas de ventos sopravam no capim verde e balançavam os galhos de árvores ali próximas. Ao longe, ouvia-se o piar de algum pássaro noturno. Um casal de coruja voava e pousava na galhada de uma enorme árvore de cedro. O pequeno barulho da cachoeira animava mais à noite, pois as águas caiam sobre as pedras. Muito distante, um cão latia constantemente. Aos poucos, o latido dele se intensificava profundamente. Poderia ser ou emitia algum sinal sonoro para quem lhe entendesse. Com todas as belezas noturnas, Cláudio caminhava tranquilamente. O som da noite lhe trazia uma paz espiritual muito grande, que fazia-lhe esquecer dos planos e projetos pensados no decorrer do dia.
Chegando à grande árvore de óleo, ele ilumina bem o local e logo vê seu banquinho bem ali, quase que encostado no espesso tronco. Um pequeno grilo corria e se escondia nas profundezas da grama verde. Ele o ajeita, coloca a câmera sobre o tripé e a aponta na direção do banquinho. Seu plano era fazer um vídeo sobre a noite e encaminhá-lo à emissora de televisão.
Tudo corria bem. Consegue angular o local e se prepara para falar. Sentou-se e quando ia ligar o equipamento, algo bem frio passou perto dele. Assustado, com os cabelos ouriçados, ele olha para frente e sente que alguma coisa está ali por perto dele. Não se sabe o que era, mas um forte clarão vai de encontro aos olhos, acompanhado de rajadas fortes de vento. Arrepios e calafrios são sentidos pelo corpo. Com uma das mãos, ele cobre os olhos da forte luz. Com a outra, segura o banco e se acomoda como pôde. Já sentado, ele abre novamente os olhos e vê algo diferente diante de si. Com medo e o coração disparado, ele firma no banco e se recompõe.
Diante de dois metros, ele vê uma figura tão diferente. Media entre dois e três metros de altura. Todo peludo, com pelos pretos e longos; orelhas muito grandes, olhos arregalados e vermelhados; grandes dentes na boca e focinho semelhante a um cão, nariz meio pontudo; boca aberta onde se via a grande língua vermelha; tronco se afinando até às patas traseiras e uma enorme calda na cor preta e branca.
Assustado, Cláudio pergunta em voz alta:
- Quem é você?
A criatura não o respondeu de imediato. Fitou-o por um bom período e repentinamente deu um uivo tão forte que estremeceu tudo à volta. Quase que a câmera caiu. O impacto do uivo foi tão forte, que Cláudio sentia uma pequena corrente de ar quente em todo corpo.
- Quem é você e o quer de mim?
Cláudio falava mais forte e com muito medo.
Passou um certo tempo. A criatura olhava para Cláudio e o examinava por todos os ângulos. Tombava o rosto pela direita e imediatamente pela esquerda. Soltava a respiração fortemente e mais outro uivo, seguidos de mais dois, três e até quatro. Imediatamente parou. Com uma voz meio rouca e pausadamente, ela assim diz:
- Quero ser entrevistado por você. Li seus pensamentos hoje mais cedo. Você é muito inteligente e quer fama. Então, há mais de duzentos anos, rondo por estas bandas e nunca encontrei alguém de tanta coragem igual a que você tem. Então, arruma o equipamento que vou conceder a entrevista.
Assustado e pensando estar sonhando, Cláudio apoia mais uma vez no banco. Não estava sonhando e nem mesmo criando algo dentro da mente. A criatura estava ali, bem a sua frente, com olhos grandes e arregalados, fitando-o por todos os lados e querendo dizer algo.
- Que prazer estar aqui consigo.
- Vamos sentar e vou ligar o equipamento. Pode sentar neste meu banco.
Com passos fortes e pesados, a criatura sentou-se no banco. Cláudio ligou o equipamento e iniciou a entrevista.
- Não vou perguntar o nome, pois você é um lobisomem e muito forte. Porém, qual o motivo de aparecer somente na quaresma?
- Meu amigo, o que vou lhe dizer é de tirar o sossego e fôlego de muita gente.
- Há muito tempo, eu era um jovem forte, rico, cheio de poder. Tinha família, tinha lar e queria muita aventura.
- Parti para o mundo desconhecido, cheio de trevas. Fazia maldade para as pessoas. Matei, roubei, estuprei, bebi sangue humano, sangue de cabras. Comi cobras vivas, lobos, peixe cru e até formigas. Fiz tudo de ruim para as pessoas. Provoquei suicídios, assassinei para achar graça e bebi sangue humano por mero prazer.
- Morri por causa de um assassinato.
- Quem me matou não me matou direito. Fui esfaqueado por uma espada de metal, que não me fez nenhum efeito. Meu assassino teria que me matar com a espada de prata. Não morri.
- Fui para as trevas. Não achei nenhuma luz. Vivi na mais escura e triste noite. Via as pessoas que eu as assassinei. Elas estavam floridas, cheias de luz e junto do Pai Criador.
- Eu, porém, estava na mais sóbria e fria noite. Não via a luz solar. Sentia muito frio e meus pelos foram crescendo. A cada lua, eles mais crescem e não consigo cortá-los.
- Os dentes não me obedecem. Ficam grandes e me dão ânsia para morder quem passa em meu caminho.
- As unhas pesam mais que tudo. Para aliviar o peso, preciso escavar barrancos, pedras e areia.
- Eu apareço somente no período das trevas, ou seja, o período em que os cristãos denominam quaresma. Saio nas noites e me divirto espantando o gado, correndo atrás das pessoas, mordendo cães, gatos, bezerros e comendo cobras e lagartos.
- Hoje é Sexta-feira da Paixão. Último dia das trevas. Fiz tudo de ruim na quaresma e hoje retorno para minha toca: um lugar sombrio, frio, não se enxerga a luz, nem mesmo posso andar. Fico preso e acorrentado, vendo somente a noite. Não durmo, nem mesmo sonho. Minha liberdade é a quaresma.
- Já está chegando a hora de ir para a caverna.
- Você foi de coragem em me chamar. Tive pena de você. Talvez vou ganhar um segundo de salvação para uma vida de mais de cem anos.
- As trevas me chamam e não tenho mais tempo para falar.
- Você gravou tudo.
- Vá à televisão e mostra tudo.
- Na próxima temporada estarei aqui para lhe falar mais.
A criatura soltou um forte uivo e rodopiando, deu saldo bem longe e desapareceu.
Cláudio, meio transtornado e pasmo com o acontecimento, pegou a câmera e voltou a gravação. Tudo aquilo que a criatura tinha dito estava lá, bem gravado.
Por algum tempo Cláudio ficou sentado no local. A noite foi embora e logo o sol nascia. Cláudio foi para à casa dos avôs e na tarde foi embora para a capital.
Um mês depois, Cláudio estreou como âncora em um grande jornal televiso.