ZÉ BOIZINHO

Nasceu em um morrote, próximo a um curral. Era começo de noite fria de inverno. Era um sinal de que sua vida de escuridão e desprezo. Foi fruto de uma traição! Sua mãe, jovem adolescente pobre de pouco estudo, caiu na conversa de Ércio Monteiro, rico sedutor morador de Alphaville, área nobre paulistana. Sua família era dona de várias propriedades ( sítios e fazendas) na região de Cunha e Parati ( no Estado do Rio de Janeiro). Ércio era um cara que amava viver sem compromisso, um irresponsável que só jogava seu charme para usar as mulheres. A cachaça de suas fazendas era tida como a melhor da região.

Maurília, jovem recém casada com um caiçara, bem formosa e que tinha um vício por bebida alcoólica herdado de seus pais, trabalhava com o marido em uma das fazendas do janota. Numa dessas noites frias em que se encontrava sozinha em seu casebre próximo à sede da propriedade, foi surpreendida pelo descarado do Ércio. Ela estava aguardando seu marido chegar da pescaria. Ela já estava bem " alegrinha" após ter ingerido alguns goles de cachaça. Triste esta situação de pais que passam para os filhos o vício do álcool. Maurília era mais uma vítima desta sina! Tão nova, tão menina e já se acabando ! Ércio aproveitou da situação e... Não pensou duas vezes, fez o que quis com a jovem morena de 16 anos. Pouparei de contar os detalhes desta atrocidade! Depois do ato, deixou a jovem seminua na cama. Depois do abuso ( Desfrute, nas palavras deste homem safado! ) Foi embora sem nem esperar a forte chuva cessar. Após algumas horas chega Inaldo. O casal morava num casebre mal cuidado, muitas goteiras, casinha caiada de sala quarto e banheiro e um quintal que mais parecia um brejo. Inaldo chega da pescaria, pegou algumas manjubinhas, sardinhas e paratis. Estava feliz por ter garantido o jantar. Mas seu semblante descaiu ao encontrar a mulher praticamente desmaiada na cama.

Pensava que ela estivesse pronta, com o sorriso nos lábios, na expectativa de sua chegada com os peixes para o jantar, e mais tarde namorarem muito. Mal sabia ele que o seu patrão Ércio tinha abusado de sua companheira. Ércio fingia ser bonzinho para conquistar a confiança de seus empregados, e assim poder explorá-los de todas as formas. Maurília acorda meio desorientada, o marido vê na pia o copo com cheiro forte de cachaça. Não acredita! Maurília tinha novamente se rendido ao vício do álcool. Ela havia lhe prometido que não beberia mais! Inaldo pensa em querer brigar com a esposa, mas respira fundo... Sabe que é preciso paciência! Passam-se três meses. O dia a dia só de trabalho e raros momentos de lazer! Inaldo passa o dia inteiro na labuta, capinando, limpando as estalagens, fazendo todo tipo de serviço: hidráulica, pintura, marcenaria. Ganhava uma miséria! Se acomodou a ganhar pouco porque tinha uma visão limitada, assim como sua esposa Maurília que era, apesar de jovem, uma excelente cozinheira... De mão cheia, forno e fogão! Mas infelizmente o vício não a deixava prosperar! É muito revoltante, geralmente as pessoas talentosas em alguma área sempre trazem uma triste marca, algo como o espinho na carne que tentam paralisá-las. É preciso muita fé em Deus, e em primeiro lugar confiança em si próprio.

Inaldo e Maurília era um casal batalhador, nascidos em Parati, cidade histórica fluminense de belíssimas praias. Mas este paraíso foi o cenário de um triste acontecimento. Maurília percebeu sua barriga crescer, estava grávida de Ércio. Ela nutria uma vontade de falar com seu patrão para que ele assumisse a criança. Quis tratar logo de resolver a situação, pois estava prestes a chegar o dia em que seu marido Inaldo notaria. Ela não sabia ainda como que ele ainda não tinha percebido, talvez fosse pelas roupas largas que ela usava praticamente o dia inteiro na faxina. Maurília rezava bastante, pedia do Alto um auxílio, sabedoria para contar para o marido. Esta era uma difícil tarefa, haja visto Inaldo e Ércio serem grandes amigos! Mas na vida todos nós temos nossas lutas, e sempre há um dia de tomarmos uma decisão, não aceitar, não se conformar e mudar a situação! O medo existe, mas a verdade é uma vida que nós não devemos abdicar. Num domingo à tarde, após virem da missa, Maurília reuniu forças pra contar à Inaldo. Levou a mão do marido à sua barriga e lhe disse que estava grávida. Inaldo ficou radiante de felicidade, Maurília ao ver o rosto feliz de seu amado perdeu a coragem. Ela que já havia sido ameaçada por Ércio que não admitia que uma empregada, uma mulher pobre entrasse pra sua família. Ércio disse que ela era a culpada por não ter se previnido! Maurília chorou muito, pensou em não trabalhar mais para o miserável patrão! Mas como não tinha pra onde ir, resolveu ficar! Maurília guardou pra ela mesma aquele segredo até chegar quase o dia de parir. Maurília tomou mais um porre, um grande porre de cachaça, saiu de casa bêbada para o morrinho para ver se conseguia avistar o marido na beira da praia, se preparando para pescar. As contrações começam, mas como estava bêbada ( quase anestesiada! ), nem sente praticamente! Só vê o sangue jorrando de suas pernas, a criança nasce por um milagre! Maurília entra em coma alcoólico e morre. Aventureiros, trilheiros que passavam no local vêem a cena, pegam a criança e correm até à delegacia. Inaldo chega em casa e não encontra a mulher, fica desesperado! Sobre a mesa da cozinha, um bilhete escrito por Maurília contando toda a verdade, tudo sobre o abuso, além do pedido de perdão pela vergonha de não ter logo revelado.

Inaldo chora de soluçar, chora de decepção, como o patrão poderia fazer uma atrocidade dessas?! O rapaz vai à delegacia e lá encontra a turma de trilheiros com uma criança no colo, filho de Maurília, filho fruto da traição. Traição, não de sua esposa. Pois ela foi vítima! A traição neste caso foi de seu amigo Ércio. Lá na delegacia, Inaldo ficou sabendo da morte de sua companheira. Inaldo decidiu esquecer aquele dia infelizmente inesquecível. Olhou a criança, um menino, a cara de Ércio. Rejeitou a criança, o jovem pescador também se enfureceu, ficou descontrolado. Combinou com alguns amigos de pesca uma emboscada para Ércio. Numa madrugada de feriado de Corpus Christi, Ércio estava na rodovia vindo de São Paulo. Ao chegar na entrada de Parati foi alvejado com mais de trinta tiros. O caso rapidamente foi solucionado pelo brilhante trabalho da polícia local. Inaldo e seus companheiros foram presos. Inaldo recebeu o apelido de Inaldo Boi, e seu filho foi adotado pelo delegado. Todos chamam o menino de Zé Boizinho.

O apelido pode ser engraçado, mas é fruto de uma triste história!

( Autor: Poeta Alexsandre Soares de Lima)

Poeta Alexsandre Soares
Enviado por Poeta Alexsandre Soares em 19/03/2021
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