PINTURA DESASTRADA
A cor era aquela amarela bem viva, usada nas placas de trânsito, nada apropriada à pintura de interiores, muito menos para as paredes de uma cozinha.
Quando viemos para Curitiba, nossa família de 6 pessoas, papai, mamãe, três filhos e uma filha, residiu por um ano em uma casa alugada no Bairro Uberaba, longe do centro. E o pior, pagávamos aluguel, fato que pesava muito em nosso minguado orçamento doméstico, para o qual os filhos ainda não contribuíam. Apenas estudávamos.
Meus pais eram funcionários públicos aposentados. Papai havia sido contador da prefeitura de Curitibanos, SC e mamãe, professora primária do mesmo estado. Levávamos uma vida muito modesta, onde se gastava somente com o essencial.
Passado esse ano, papai saiu a campo para procurar uma residência que pudesse comprar. Encontrou-a, de madeira, no Bairro de Hugo Lange, bem mais perto do centro. Era uma velha casa que se apresentava mal cuidada e com infestação de cupins. Porém, cabia em nossa poupança, contanto que ele vendesse também nosso velho Fusca para complementar a entrada, ficando, ainda, algumas Notas Promissórias para resgate futuro. Era um teto a nos abrigar, sem a despesa do aluguel. Nosso plano maior sempre foi o estudo, motivo da vinda para a capital do Paraná.
Concluída a compra, meu pai tratou de providenciar uma pintura nova à casa para dar-lhe uma feição de lar, doce lar. Arranjou um pintor e foi feliz na aquisição da maioria das tintas para as paredes internas e externas. Mas quando nos trouxe a todos para vermos a “nova” casa, foi um espanto geral quando entramos na cozinha. Reluzia de uma tinta a óleo amarelo brilhante. Mamãe, que iria passar a maior parte de seu tempo naquele ambiente, preparando nossas refeições, ficou desolada.
Nos fundos da moradia, onde havia e ainda há uma ferrovia, a sinalização é toda daquela cor. Acho que papai gostou daquele tom e nele se inspirou para pintar nossa cozinha...
Mamãe ficou visivelmente chateada, mas se conteve e disse apenas:
Vamos remediar isso...
E o remédio foi a compra de uma lata grande de tinta amarela clarinha, que meu irmão Beto, pintor de primeira hora, aplicou em três demãos (duas não foram suficientes) para cobrir aquele amarelão. O efeito colateral foi mais uma despesa a corroer nossas já combalidas economias. A exaustiva limpeza da casa, ficou por minha conta.
Ali moramos por alguns bons anos. Ela nos serviu ao propósito que buscávamos: estudar, estudar e estudar. Nossos pais não teriam condições de nos manter em faculdades privadas. Então, não havia alternativa, a não ser ingressar em universidades públicas.
Mostrou-se uma epopeia mas, pela obstinação de todos, plenamente recompensada. E o detalhe da cozinha amarelo ouro, apenas motivo de riso.