O Mal de Esther

Atila Casa Grande, que de grande só tinha mesmo o nome, era casado com Esther, uma bela mulher de personalidade forte e com uma paciência de Jó. Ela, era, extremamente, prendada, fazia tudo com dedicação e amor, dava o seu melhor. Já o seu marido, nunca se dava por satisfeito, era do tipo de pessoa que só reclamava, nada estava bom, e colocava defeito em tudo; ele era conhecido na cidade como o homem das ideias mirabolantes.

Um dia, Esther estava executando os seus afazeres domésticos... lavava a varanda, descalça e, de repente, escorregou, batendo a cabeça, fortemente, contra o chão. Ela foi direto para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Passou mais de dez dias internada. Quando acordou, falou para o seu médico que não enxergava nada, estava cega. O médico não entendeu, mas, ela garantiu que estava, completamente, cega. O médico achou que essa reação de cegueira poderia ser do forte Tombo de sua paciente. Uma sequela, provavelmente, temporária.

Esther teve alta e retornou para a sua casa. Atila percebeu que a esposa, agora, cega, não tinha como executar as tarefas domésticas e ele trabalhava o dia todo. Diante dessa situação, ele resolveu contratar uma empregada. Mas, bastaram três dias de serviços, e ele a demitiu. A exigência dele era absurda, estranha, além de mal-educado. Na verdade, ele contratava uma empregada de manhã e à tarde a demitia. Às vezes, a própria empregada se demitia. Dessa forma, foram mais de dois meses nessa queda de braço, contratava de manhã e à tarde demitia... até que um dia, apareceu a Dona Hilda, senhora sisuda, muito educada, currículo qualificado e de boas referências. Foi contratada, imediatamente. Ela, habilidosa, permaneceu no emprego, era perfeccionista, e além disso, tinha um probleminha, não ouvia bem. Para ser mais claro, ouvia muito pouco ou quase nada. O que, de certa forma, a impedia de ouvir as lamúrias e os pitacos do patrão. Na verdade, era uma tática que ela usava para se firmar no emprego também.

Mas, ele não tinha jeito mesmo, passava à noite toda resmungando, reclamando da empregada. Falava sozinho, alto e bom som, pois, achava um pelinho de gato no sofá, um cabelo no chão, gotinhas de água no copo, uma poeirinha aqui, outra ali... e isso, incomodava sobremaneira à sua esposa, que, mesmo sem querer, ouvia aquela ladainha toda.

Esther estava cansada, muito deprimida com tudo isso. Não aguentava mais tanto tititi do marido. Inteligente que era, percebeu logo a tática da empregada, e aos poucos foi perdendo a audição também. A cada dia que passava, menos ouvia, até que parou, totalmente, de ouvir, ficando surda.

Atila ficou assustado com aquela situação da esposa e passou a ficar mais quieto e menos reclamão e agressivo e se dedicava mais ao trabalho e aos cuidados da esposa, que, agora, além de cega, também era surda. Ele passou a ser o cuidador mais amoroso da vida dela.

Um dia, Esther, em uma de suas consultas de rotina, após ser examinada, seu médico lhe disse: “Esther, Esther, sei que você pode me ouvir e me enxergar muito bem. O que está acontecendo? Esther, te conheço desde a sua infância, desde menininha, sei quando está mentindo. Você se lembra quando fingiu que tinha febre e eu descobri que você tinha colocado um dente de alho debaixo das axilas para aumentar a temperatura do seu corpo?”. Ela sorriu meio sem graça, e respondeu: Eu me lembro como se fosse hoje... posso ver e ouvir o senhor perfeitamente. O médico, curioso, disse: “Não entendo porque você finge essa cegueira e essa surdez”. Então, as lágrimas dos olhos de Esther brotaram e caíram como enchente em dia de tempestade, e ela falou ao Doutor: Eu amo o meu marido, mas, viver com ele é difícil, uma tortura. Ele reclama de tudo, é perfeccionista além do limite... e aquelas ideias mirabolantes, vinte e quatro horas por dia, martelando nos meus ouvidos é uma loucura! Ele murmura muito e reclama tanto, que, às vezes, penso que vou enlouquecer. Sabe doutor, quando sofri o acidente e fui parar na UTI, pude ter paz e sentir o silêncio maravilhoso. Ninguém me dava ordens ou me apontava o pelo do gato no sofá, gotícula de água no copo, sujeirinhas no chã, pó nos móveis, coisas desse tipo. Foi aí, que, tive a brilhante ideia de falar que não enxergava mais; e, Atila não me mostraria mais nada e eu teria a tão sonhada paz que desejava imensamente. Mas, as coisas pioraram, infelizmente, ele passou a reclamar de tudo à noite toda, da empregada. Não me deixava dormir sossegada. Eu estava completamente exausta, cansada; eu precisava dormir. Precisei tomar calmante, muitas vezes, para eu ter boa noite de sono profundo. Foi então, que, comecei a fingir que estava perdendo audição também, até que para ele, fiquei totalmente surda. Doutor, sei que não é certo mentir, que não é certo fingir que estou cega e surda, mas, eu nunca tinha sentido tanta paz de espírito na minha vida de casada. Atila me sufocava com as suas “neuras” e seus gritos; agora, dedica-se ao serviço dele, não reclama mais com a doméstica, até porque, ela pouco ouve e fala. Ele, agora, é atencioso e amoroso comigo. Antes de dormir me beija e me abraça e me protege; cuida de mim como se eu fosse um anjo; não tem mais aquelas reclamações e aquelas invenções de suas ideias mirabolantes. A paz entrou na minha casa e na minha vida.

O médico prestava muita atenção em tudo o que Esther lhe dizia, embora, não concordasse com as mentiras. Mas, entendeu que ela tinha lá suas razões, de modo inexplicáveis para ele. O Doutor também conhecia Atila, desde a infância, sabia muito bem do gênio forte e difícil do amigo. Então, o Dr. Zanetti, deu aquele sorriso maroto, balançando a cabeça, desaprovando a atitude de sua paciente, mas, achando tudo muito engraçado, e lhe disse para que ela e o esposo procurassem ajuda com um psiquiatra.

O médico olhou para ela e disse novamente: “Esther, em partes, tenho que admitir que seu marido, assim como a maioria dos homens machistas, ultrapassam os limites da boa convivência. Mas, nada justifica a sua mentira, é grave! Penso que se ele descobrir, é divórcio na certa. Não vale a pena o sacrifício. Tem outras formas de tratamento, como já lhe disse, para procurar um psiquiatra.

Esther, ao confidenciar isso com a amiga Tiana, ouviu o seguinte: Amiga, para o seu bem mental e espiritual, continue cega, surda e se possível, até muda... e rindo, acrescentou, o seu caso não tem solução! Nem mesmo a NASA conseguiria explicar a sua doença.

Esther voltou para a sua casa e continuou cega e surda, porém, extremamente, amada, como nunca e, assim, vivia a felicidade que tanto almejada.

Com o passar do tempo, naquela cidadezinha pacata, começou a ter mais casos semelhantes ao de Esther, de mulheres casadas com cegueira e surdez. Em dois anos, aproximadamente, várias mulheres casadas contraíram a doença de Esther, que ficou conhecida como “O Mal de Esther”.

O Dr. Zanetti, médico antigo daquele hospital e muito conceituado, passou a ser o mais procurado da cidade, por conhecer a doença “O Mal de Esther”. A doença era tão contagiosa que começou a viralizar por todo canto, virou epidemia, e, uma equipe médica psiquiátrica, conceituadíssima, chegou à conclusão de que toda a mulher casada, com um marido como Atila, em algum momento da vida, contrairá o vírus “O mal de Esther”.