A REVOLTA DOS CAMELÔS

A Rua do Comércio, no coração​ da cidade, fervilhava de gente todo final de ano e por todo o mês de Janeiro por causa do grande número de turistas e locais que percorrem todo o Calçadão em busca de presentes e sempre de olhos encantados com as novidades expostas nas vitrines.

Adenilde e Natan, jovem casal morador da periferia, tiravam o sustento dali do Calçadão. Dependiam dali, a única saída era trabalhar como ambulantes. Na cidade era escasso o trabalho formal, por isso muitos se viam obrigados a trabalhar de sol a sol, debaixo de chuva no calçadão da cidade vendendo os mais variados produtos, desde água mineral, refrigerante, guloseimas à brinquedos, CDs, guarda-chuvas e tudo mais. Quem é chefe de família sabe o quão duro é ouvir seu filho ou sua filha criança pedir comida, roupa e você ficar de mãos atadas sem saber o que fazer, é a necessidade. Adenilde já trabalhou como doméstica antes de se casar Natan, era muito humilhada e assediada pelos patrões, trabalhava duro para receber uma miséria. Depois que conheceu Natan na igreja onde congregava e viu nele um homem de Deus, a pessoa que Deus escolheu para completar a sua felicidade, decidiu não mais trabalhar de doméstica. Natan também não queria vê-la naquela triste vida. Os dois conversaram, chegaram a conclusão que iriam vencer juntos. Mas nada na vida é fácil! Tudo o que acontece para tentar nos desanimar não devemos permitir que se cumpra o seu objetivo! Sejamos proativos! Adenilde e Natan começaram​ na labuta diária, vendendo água mineral, garrafas de suco da fruta. Verão, muito calor, termômetros ultrapassando os 40 graus! A mãe de Adenilde, dona Lene, era uma vendedora ambulante já bastante conhecida no calçadão, todos a chamavam de tia do cafezinho! A senhora bem magrinha, bem ágil, trabalhadeira, era um amor de pessoa. Tinha um coração tão bom, que isso até chegava a prejudicá-la como comerciante! Ela vendia bolos, biscoitos, doces e o cafezinho, café com leite. Os trabalhadores das lojas do centro, os gerentes a tinham como uma mãe. Quando eles não tinham o dinheiro para fazer o lanche, ela deixava que eles depois pagassem. Era uma farra! Pois muitos abusavam do coração bondoso de dona Lene! No Centro havia muitos ambulantes, haja vista o grande número de desempregados, semi-analfabetos, gente sem qualificações para ingressar no mercado de trabalho! Dona Lene mal sabia assinar o próprio nome, nasceu e foi criada a roça, pra ela nada veio fácil na vida! Desde criança só conheceu luta! Adenilde era a sua filha mais velha, e a única a cuidar da mãe, se preocupava muito com ela. A jovem senhora alertava a mãe pra não vender mais fiado. Mas não adiantava muito falar, dona Lene era muito " mão aberta" e coração mole! Natan era um genro querido, um filho que ela nunca teve. Sempre preocupado com a sogra, falava pra ela ficar em casa e deixasse que ele e Adenilde tomassem conta do negócio! Dona Lene fazia ouvidos de mercador, não admitia ficar em casa olhando pro teto, sem agir a vida. Senhora de quase oitenta anos, cabelos brancos, mas que não se entregava pra idade, assim era dona Lene! E a filha Adenilde estava seguindo os passos da mãe! Natan tinha orgulho de ter ao lado uma mulher carinhosa e trabalhadeira!

Os vendedores ambulantes do calçadão eram animados! Era cada figura! Tinha o mexicano metido a galã, todo estiloso parecendo um dos "menudos", ele vendia acessórios femininos, bijuterias. A mulherada só vivia o cercando, o cara ganhava muito dinheiro! Tinha também o vendedor de picolé e sorvete que gritava " Vem pessoal, o calor tá demais! Promoção pra quem gosta de entrar numa fria! Neste calor, a melhor opção é entrar numa fria! Vamos nos refrescar! "

Tinha também o vendedor de chumbinho ( veneno de rato) anunciando" Mata o rato! Seca o rato! Qualquer rato, desde político corrupto à ratazana que vem do terreno baldio! "

O calçadão todos os dias era movimentado, parecia uma feira livre! O superintendente da associação dos lojistas começou a receber muitas reclamações, a situação se complicou pois os lojistas não admitiam perder clientelas, mas é aquela história do maior querer derrubar o menor! Todos têm oportunidades, o sol nasce pra todos! É certo que tem alguns ambulantes que sujam o lugar, existe a falta de organização por parte de alguns! Mas tudo deveria ser conversado, o que não houve foi conversa! O prefeito da cidade, amigo dos poderosos, colocou o choque de ordem para perseguir os camelôs. O calçadão deveria ficar livre de ambulantes! Quem fosse pego vendendo teria a sua mercadoria apreendida! Dona Lene continuou vendendo seu cafezinho e bolo num cantinho na entrada da loja de eletrodomésticos! O gerente deixou que ela trabalhasse lá. Mas depois de duas semanas, João o gerente amigo foi transferido para outra filial e chegou um outro bem chato. Dona Lene, Adenilde e Natan tiveram que trabalhar fazendo o mesmo esquema dos demais. Eles ficam trabalhando sempre atentos nos guardas. Quando a tropa de aproximava um dava sinal pro outro, avisando. Trabalhadores fugindo dos guardas como se bandidos fossem! Este é o nosso país! O país da corrupção, das promessas ( o shopping popular que abrigaria os camelôs não saiu do papel, e um outro que está pronto não tem estrutura e organização). Os guardas apreendem as mercadorias, e alguns mais " bonzinhos" colocam os ambulantes pra trabalhar em ruas escondidas, becos onde não passa quase ninguém. Num belo dia dona Lene, Adenilde e Natan foram surpreendidos pelos guardas, e já chegaram pegando todas as mercadorias! Natan viu seu sangue ferver! Entrou em luta com o guarda, por sorte não foi alvejado com bala de borracha! Adenilde gritou " Eu não vou, nós não vamos pra aquele Beco fedorento não, aquele Beco fedendo a mijo não! "

Neste mesmo dia houve quebra-quebra, mais de 100 ambulantes foram feridos, outros foram presos.

E todo ano acontece essa revolta, e infelizmente nada muda porque o povo aceita ser dominado pelos poderosos! Eu peço a Deus que todos venham colocar a cabeça pra pensar!

( Autor: Poeta Alexsandre Soares de Lima)

Poeta Alexsandre Soares
Enviado por Poeta Alexsandre Soares em 01/02/2021
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