MEU AVÔ É DEMAIS
Meu avô faz parte daquele pessoas que costumamos afirmar. são dez. Sempre bem-humorado, brincalhão, adorava pregar peças nos netos e mostrar a estes que a experiência de vida vale muito e em todos os sentidos. Nas minhas lembranças, são tantas as histórias que vivi ao seu lado. Umas verídicas, outras da imaginação mesmo. Lembro de ter estado com ele, poucos dias antes de partir e ocupar uma cadeira ao lado do pai. Simião Honório, era um homem de posses, mas que tinha o costume de dar a benção com a mão. fechada. Afirmo isso ao lembrar de um fato marcante: Certo dia pediu-me para levar as ovelhas e cabras que estavam no curral, até a roça. Sabendo das posses dele e de sua segurança com elas, pedi um valor elevado pelo serviço – ainda nos tempos dos réis – ele ofereceu a metade do que pedi. Fomos lá e vimos cá, ficou num preço razoável pra mim, acima do que ele ofereceu. Um trabalho danado, no caminho da roça os animais entrando na mata, eu correndo atrás, passando por cima e por baixo de garranchos de paus e espinhos, mas conclui o serviço que ele pediu. Voltei apressado e pensando em relatar pra ele o trabalho que os animais me deram, assim podia sensibilizá-lo a dar mais um pouquinho, além do já prometido. Cheguei suado e respirando fundo, forma que também encontrei de demostrar que o serviço não foi fácil. Encontrei meu avô sentado numa preguiçosa com lápis na mão fazendo anotações num velho caderno. Ele não era nada bobo, nem me deu tempo de argumentar sobre o serviço prestado. O pagamento já estava em uma de suas mãos e sem dizer nada, me entregou o dinheiro. Eu de olhos arregalados passei a contá-lo e vi que não tinha a metade do que ele havia oferecido da primeira vez, antes d e entrarmos em acordo sobre o valor do pagamento. Fiz cara de zangado, ele percebeu e levantou dizendo: quer não, me dê de volta. Eu necessitado, nem preciso dizer da minha decisão. Já tinha passado da hora de janta, resolvi aproveitar e fazer uma boquinha por ali mesmo. Comida na casa dele era fartura, no entanto, era meu avô. Falei que estava com fome, ele apontou a cozinha e disse que lá tinha uma panela com um resto de baião de dois, entre e sirva-se. Peguei um prato, uma colher, destampei a panela e vi apenas um pouco de feijão puro no fundo dela. Não me fiz de rogado, coloquei o feijão no prato, pequei um banquinho e sentei ao lado dele. Percebeu que eu tinha sentado ali de propósito, apenas para mostrar que só tinha feijão na panela. Ele viu, ficou em silêncio por alguns instantes e depois falou num tom alterado, como quisesse se justificar:
- Já disse a muié, que não faça mais baião de dois com este feijão. Não tem arroz do mundo que dê pra ele. Calado estava, calado fiquei. Retrucar, Deus me livre.
Terminei de engolir meu feijão e já levantava pra ir embora, quando ele me pediu mais um favor. Tinha uma lata com feijão em bajes secas quase estralando, tremi só em pensar que me botasse para debulhar o feijão, mas não. Pediu que colocasse as bajes secas em cima de um pedaço de lona que estava no meio do terreiro e fosse até o chiqueiro buscar o galo peitudo. Não entendi nada, nem conhecia o tal, mas fiz o mandado. Voltei com o galo nas mãos, ele apontou a lona e coloquei o galo lá. Meu avô pegou um punhado de caroços de milho e jogou no meio das bajes e voltou a sentar em sua preguiçosa como se nada estivesse acontecendo. Fiquei ali admirado, olhando aquele serviço. O galo realmente não tinha penas na região do peito, também pudera, tinha uma perna só e toda vez que ciscava as bajes para catar o milho, caía e estralava as bajes e o feijão ia aparecendo. Achei uma judiação, mas ele disse que aquele era seu galo de estimação e aquele trabalho era exercício para o seu peitoral. Amanhã cedo, antes dos outros galos acordarem, ele tá batendo asas e cantando, acordando todo mundo e se aparecendo para as galinhas. E finalizou: é um galo ensinado e vivido.