O tabaco do caboclo negão

Não sou ator porque lhe imito, crio você e suas ações, encaixo-te numa cena e deixo a emoção fluir. O público aplaude e reclama do texto. Indica propriedade particular de sua vida, conversa fiado, mas a cá miúdo, presta atenção no espetáculo.

Fiquei pouco empolgada com o nome da peça. Aliás, me pareceu intrigante demais: Eis o “Tabaco do caboclo negão”. Acharam ser uma comédia e o suspense sobre o conteúdo era eminente na cidade. Mas enfim a crítica:

Uma peça de horror, que tinha ficção, um tanto de verdade e nada de comédia.

Contudo, a peça se tratava de um cigarro de palha feito por um negro que sofria preconceito. Eu só não entendia: qual era a graça.

Riam apavoradamente com o tamanho do tabaco do negão e os diálogos eram numa língua sem cor. Falavam: – Pita no meu que eu pito nu teu.

Sabia que pitar na língua indígena era fumar, isso na época em que visitei uma aldeia pra fazer um trabalho da escola.

Mas queria entender no final das contas: qual era a graça.

Pensava: “Logo eu, que participava de grandes espetáculos”...

Cutuquei a moça ao lado para mexericar tal assunto e fiz a ela a seguinte pergunta:

- Por que todos estão rindo?

Ela me olhou querendo não ter me ouvido, não pelo que falei, ou melhor, não ainda:

- A peça é muito boa

Percebi, que ela não havia me respondido corretamente e então pensei que não estivesse ouvido direito:

- Senhora, por que as pessoas estão rindo do tabaco do negão?

Ela me olhou sério. Fiquei até apavorada. Mas sabia que não havia lhe falado nada de errado. Então, esperei que ela dissesse alguma coisa...

- Querida, esta peça é uma comédia e para isso você precisa ter senso de humor.

Foi aí que subiu todas as palavras e frases... Discursos e anseios... Nervosismo pra dizer alguma coisa. Mas simplesmente, no ápice da minha indignação, não disse nada. Aí fiquei pensando sobre o que ela disse...

Observava uma das cenas finais da peça e via o tal caboclo dizendo que ia largar o seu cigarrinho. Ele então, encontra sua alma gêmea, que por ventura é um homem seminu.

Pensei: “Esse cara é gay”!

Foi aí que entendi a graça da peça: Um texto mal definido, um público mal informado, uma mulher que me acusou injustamente e definitivamente tive que dizer-lhe algo...

- Senhora, apesar de ter achado essa peça um lixo, refleti muito sobre o que disse. E cheguei à conclusão que realmente prefiro não ter senso de humor.

Talvez ela tivesse me ouvido, mas no final do espetáculo lá estava ela, aplaudindo demasiadamente o tabaco do caboclo negão. Não esperava tal reação, mas ela me fez refletir de novo:

“O que me faz melhor que aquela mulher”?