Cambota, ou Cambalhota...?

Era o tempo em que os ônibus intermunicipais reinavam. O transporte ferroviário, por ineficiente, havia sido deixado de lado, e ter automóvel, ainda que um fusquinha era regalia de poucos, e nem sempre bons...

Situada a cento e vinte quilômetros de Belo Horizonte, Pitangui era servida por duas empresas: a Santa Maria com sua meia dúzia de frequências regulares, que costumava dobrar em época de feriado, e a Sertaneja que, servindo Abaeté, passava por Pitangui, com algo como a metade do que a Santa Maria oferecia, mas sem a certeza de vagas . E olhem que àquele tempo - e todo Evangelho começava sempre por um Naquele tempo... - podia-se viajar de pé, no corredor, e não havia proibição de fumar, desde que não fosse cigarro de palha, cachimbo, ou charuto...E os ônibus andavam apinhados de felizes embarcados...

O Juvenal Cambota, que era capaz de perder um amigo para não perder a anedota, fazia a festa onde se encontrava, e até onde se ausentava, pois a rapaziada simplesmente o idolatrava, sobretudo quando, após uma dose brava, a verve se desdobrava...Tudo era ocasião para uma boa risada. Reis do riso da cidade e de alhures, lhe tiravam o chapéu em proclamada reverência.

Numa determinada véspera da paixão, que se estendia da quarta do encontro ao domingo da ressurreição, o pitanguiense que se prezasse 'havera' de estar na cidade, natal ou adotada, e não se aceitava desculpa nem em foro íntimo...

Pois bem, vivendo lá pros lados de Contagem, que fica já na saída de BH rumo a Pitangui, a chance de embarcar, mesmo se exibindo o bilhete de passagem, era bem mais remota numa ocasião festiva, a despeito da boa vontade dos motoristas, chamados mais de choferes à época que, parecia, tinham participação, mais na aprovação dos passageiros, do que nos lucros da empresa transportadora...

E o Cambota, acompanhado do inseparável Bimba estende o braço ao ônibus que se aproximava, na altura da praça da Cemig, em finzinho de uma tarde da quarta-feira santa...com a chuva já estalando nas vidraças...

Solícito, o motorista, novo na empresa, pára, mas vai avisando que a condução está completa, abarrotada, e já não tem mais vaga...

Cambota não se perturba, e impávido, com ar de súplica, pergunta:

- Mas o meu amigo aqui perdeu a mãe e ele tem que estar na cidade de todo jeito...o senhor já pensou o que é perder uma mãe...

O motorista se compadeceu, pediu a bondade extra de mais um passinho

atrás e deixou a dupla embarcar, a um custo só menor do que o alívio dos embarcados...

Assim que o ônibus arrancou, a turma, quase toda de gente conhecida,

arregalando os olhos, perguntou sobre aquela triste notícia fúnebre que Cambota acabara de revelar...ao que ele respondeu, num cochicho ensurdecedor:

- Não sei exatamente a causa nem a data...já é coisa de 6 anos...e vem se repetindo cada vez com maior intensidade...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 29/01/2021
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