O CACHORRO DANADO
Fazia tempo que pesava em mim a saudade de não ter um afeto. Preso, cabreiro, vivendo pela primeira vez esse negócio de pandemia. Pense numa inquietude, agonia maluca.
Mas como quem tem esperança, em algumas semanas vi o véio trazer pra dentro de casa um cachorro branco. E imagine que cachorro. Eita bicho aflito. Chegou no desespero, afobado, com uma baba feia beirando o focinho, numa raiva sem razão. Fiquei com medo, oxe, apois parecia que meu pai tinha endoidado. Carregar um cachorro enfezado e sem miolo.
E o animal biruta foi fazendo morada lá em casa. Tinha medo. Oh, se tinha. Arreganhava os dentes, só bastava encostar que o danado já queria torar o dedo meu e de qualquer outra pessoa. Mas pra um esperto, sempre tem outro.
Eu que não sou besta, queria amizade. Então, fui fazendo de tudo pro bicho ficar no eixo. Dei comida na boca, água na vasilha de goiabada. Amansando ele do jeito que dava. Logo logo foi ele respondendo pelo nome. "Piau, Ecô! Ecô!", e só de ouvir o sem-vergonha vinha se remexendo todo. Até alisar o pelo já deixava.
Quando me dei conta, o danado já era meu amigo. Ganhou meu coração. Um olho de gude, brilhoso como estrela. Deixava o coração mole só de ver.
Não teve jeito, me apeguei ao cachorro biruta.