Torre do silêncio
Behdad Patvi fez mentalmente uma oração, ao saber da morte acidental do primo, Arsha Farahi, o qual não via há alguns anos. O portador das más notícias havia sido Horang Farahi, irmão mais velho do falecido.
- Se muçulmanos e cristãos vivem em paz na região, - relembrou Behdad - deve-se muito aos esforços de Arsha.
- Ele tinha um programa na TV local, era muito querido na comunidade, - assentiu Horang - principalmente pelos cristãos, que se ofereceram para custear um túmulo de mármore no cemitério parsi.
- Um belo gesto, mas como a família reagiu?
- Agradeceram, mas não acharam apropriado. Arsha era apegado às tradições, como sabe; não iria concordar que o enterrassem, mesmo num cemitério parsi; certa vez, comentou comigo que considerava isso um pecado.
- Mas não há mais torres do silêncio em operação - ponderou Behdad. - E expor o corpo aos elementos, para ser devorado pelos abutres, foi proibido pelas autoridades sanitárias...
- Sim, até porque os abutres estavam sendo envenenados, pelo excesso de medicamentos que ingerimos em vida - lamentou-se Horang. - E hoje, simplesmente não há abutres suficientes, mesmo longe das grandes cidades. Mas Arsha já havia previsto a possibilidade de que seu dia chegasse e seus restos mortais não fossem dispostos da forma correta...
Puxou o celular do bolso e exibiu uma imagem para o primo.
- Reconhece isso?
Behdad franziu a testa.
- É uma torre de usina solar?
- Exatamente - acedeu Horang. - Os espelhos ao redor da torre concentram nela a luz do sol, e a temperatura no foco pode ultrapassar os 1000º C. É mais do que suficiente para cremar um corpo humano em cerca de uma hora.
- Imagino que alugar um sistema desse porte, mesmo por uma hora que seja, deve ser bastante dispendioso - avaliou Behdad.
Horang fez um aceno de concordância.
- Não é para todo mundo, mas você sabe... Arsha era mesmo muito querido e os amigos se mobilizaram para pagar a conta. Aliás, a ideia agora, é que a comunidade parsi se cotize e construa um crematório solar, nos mesmos moldes; quando não estiver incinerando corpos, poderá gerar energia elétrica para toda a região.
E diante da expressão de admiração de Behdad, concluiu:
- Mesmo depois de morto, Arsha vai continuar ajudando à comunidade.
- [27-01-2021]