VIDA NA AREIA - Alberto Vasconcelos A brisa morna do fim da tarde fazia com que as folhas do coqueiro parecessem mãos agitadas se despedindo de mais um dia. O sol num ocaso breve, fez com que os contornos da paisagem se perdessem na escuridão da noite enquanto aguardava o clarão da lua, as ondas revoltas espraiavam algas sobre a areia que ainda guardava um pouco do calor do dia que se fora. Nesses momentos a saudade se tornava mais cruel, a dor opressiva no peito parecia desmanchar as fibras do coração e o pescador, mais uma vez, lamentava seu jeito de ser. Teria sido mesmo tudo verdade? Será que os acontecimentos não foram alterados pela língua ferina do povo? Quantas vezes ele ouvira histórias que nem de longe eram verdadeiras? Um caminho de luz brilhante azulada ligou seus pés calejados ao horizonte onde, esplendorosa a lua surgia por entre as grossas nuvens. Sem dúvida haveria chuva forte. O caniço fincado na areia deu sinal de que algo estava fisgado. Instintivamente, travou o molinete e começou a recolher a linha. Agora, o mundo a sua volta perdera importância, suas lembranças foram colocadas nas prateleiras da memória. Havia pressa. O que estava fisgado, não importando o que fosse, precisava ser trazido para a praia, para ser vendido se tivesse algum valor, para seu sustento ou para ser devolvido ao mar, se a ele pertencesse. Quantas coisas podem se prender ao anzol arremessado? E dessas coisas, quantas precisam ser devolvidas ao reino das águas para o bem de todos, para acalmar os elementos e aliviar a dor que tanto maltrata? Quem poderia dizer a quantas formas de vida nos ligam outras linhas diferentes dessa que o forçava a pisar na espuma branca? (20 linhas) - ARISTEU FATAL A emoção da puxada da linha é muito forte. O pescador sente um frenesi em seu peito, tal como o artilheiro na hora do gol, no futebol! É uma emoção tão grande, que ele sente a falta de uma grande plateia quando o fruto de sua habilidade chega à luz. Aí as testemunhas explodem em diversas maneiras: como o pe.ixe é grande, que peixe é, que sorte, que habilidade, parabéns. E sempre é bom haver assistência razoável, para comprovar o feito do pescador. Por falar nisso, de modo geral, a fama do pescador é de que ele floreia demais ao contar seus causos, aumenta em demasia o tamanho, a espécie, chegando a ser taxado como mentiroso. Sobre isso, há uma historinha muito interessante. Um pescador tinha a fama de sempre contar casos extravagantes na cidade em que morava. Era tido como o maior mentiroso. Em determinada pescaria, como sempre, ele gostava de se exibir, mostrando seu arsenal de munição. Estava em um rio de uns cinquenta metros de largura. Na margem do outro lado, estava um caboclo morador das redondezas. Vendo o modo todo fantasioso do pescador, resolveu aprontar uma. Muito arisco, viu um cágado por perto, foi fácil pegá-lo. Com rapidez tirou a roupa e mergulhou no rio, procurou, achou o anzol da vítima e fisgou no mesmo, o animal. O pescador, sentindo a puxada, logo travou a carretilha e trouxe a linhada todo cheio de trejeitos, com a presa. O caboclo logo chegou ao seu lado, e cumprimentando-o, deu-lhe os parabéns por ter “pescado” algo inesperado. Nunca tinha visto coisa igual. Ele, com toda empáfia, virou para o caboclo, dizendo com a maior cara de pau, que aquele era o terceiro cágado que pegara naquele dia. (20 linhas) - Cléa Magnani A areia que serve como piso para o mar e para os rios, é composta por grãos de rochas e pedras, “surradas” pelo movimento incessante das águas das ondas e das cachoeiras. Assim como os grãos não são iguais, as histórias que a areia encerra, também não o são. Quantas piadas de pescador as areias já ouviram? Quantas lágrimas já umedeceram seus grãos? Jovino, pescador pobre, amargurado pelos tombos que a vida lhe dera desde criança. Analfabeto por ter de trabalhar com o pai, na puxada das redes aos 8 anos, e depois sozinho, quando numa noite de tempestade o mar devolveu a jangada de seu pai vazia, com o mastro partido, e ele teve de sustentar a mãe e os oito irmãos, arriscando-se na mesma jangada de seu pai. Numa briga de faca com Raimundo, teve o nervo do braço cortado. Sem força para puxar a rede e remar, só poderia pescar de caniço. Estava muito triste porque lhe contaram que Marina, seu sonho, havia sido vista com Raimundo, seu desafeto, mesmo depois dele se declarar a ela e tudo parecer tomar um rumo. E foi naquele momento quando o peso das infelicidades mais o entristeciam que seu anzol se prendeu em algo pesado. A maré com a influência da Lua Cheia, subia rapidamente As ondas no repuxo, arrastavam “a coisa” de volta para o mar, até que um raio riscou o céu, um trovão ribombou, estremecendo tudo ao seu redor, e a chuva grossa desabou. Jovino amarrou o caniço com a linha em volta dum coqueiro e correu para casa. De manhã cedo, Jovino voltou e viu a ponta da linha enterrada na areia ainda encharcada. Começou a cavar, e a quase um metro de fundura, apareceu a ponta da caixa onde o anzol se prendera. O que guardaria aquela caixa? (20 linhas) - Deomídio Macêdo A pá e alguns embornais que trouxera de casa foram deixados na areia molhada que não oferecia resistência às mãos calejadas pelas durezas que a vida lhe proporcionou. Com o esforço sentia dores no braço atrofiado, mas a não podia parar pela ânsia de ver o que continha aquela caixa de tampa abobadada com pouco mais de dois palmos de tamanho. A sua plateia, numa torcida frenética, fazia o maior alvoroço. Eram as gaivotas que bailavam ao bel-prazer do vento. Quando a caixa ficou totalmente liberada, surgiu um grande cadeado carcomido pela salinização das águas marítimas e um símbolo com um letreiro que o pescador não compreendia. A única ferramenta que tinha para abrir o cadeado era a sua pá, então levantou-a ao ar e aplicou um golpe na fechadura insensível, que continuava guardando o segredo do bauzinho. O tilintar da pá no cadeado espantou as gaivotas que repousavam na areia testemunhando aquela cena, que parecia uma história inventada por pescadores. Após algumas pancadas mais fortes, o cadeado cede, alegrando Jovino que o retira com rapidez. Pouco tempo depois a caixa escancarou para aquele homem simples, um tesouro com diversas moedas de ouro e pedras preciosas. Naturalmente as ondas marítimas trouxeram aquele tesouro de alguma embarcação naufragada no século 18, pois o Brasil era rota de navios comerciais. Jovino não acreditava no que estava vendo. Pulava igual a uma criança, corria atrás das gaivotas, rolava na areia. Com a respiração ofegante dividiu sua riqueza pelos quatro embornais e levou para casa, mas teve o cuidado de tapar o buraco para que o pequeno baú não fosse visto por mais ninguém. Pensou: estou rico. Mas como justificar a riqueza, o que diz a Lei de tesouros achados? (19 linhas) - Alberto Vasconcelos Jovino era analfabeto, mas não era tolo e guardou absoluto segredo sobre o seu achado, pois sabia que se a notícia se espalhasse, iriam aparecer milhares de amigos e as autoridades iriam confiscar tudo. A melhor coisa a ser feita era ir-se embora daquela praia, como fizeram os seus irmãos. A mãe, sempre falava das belezas do Serrado e do desejo de voltar à terra em que nascera. Estava na hora de realizar o sonho que a velha acalentara por toda a vida. Na mesma semana, despediu-se dos outros pescadores dizendo-se cansado daquela vida de penúria, que iria com a sua família tentar a vida no pantanal, onde a pesca é mais fácil que no mar. Para mostrar que não guardava rancor de ninguém, deixou para Raimundo, seu desafeto, a jangada que pertencera ao seu pai e sem se despedir, deixou para trás Marina e o amor que sentia por ela. Junto com três dos irmãos e a mãe instalou-se no terreno que comprou de antigo tropeiro sem parentes. Jovino fez questão que Nhô José permanecesse com eles, pois sentia por ele um carinho quase filial. Aproveitando-se dos conhecimentos do velho, construiu a pousada Ninhal das Araras onde os dias transcorrem amenos. Pisando descalço as areias finas das praias ribeirinhas, leva os hóspedes para pescar ou fotografar os animais em vida livre e quando o negrume da noite faz resplandecer as estrelas ou a lua cheia pinta de prateado as águas do Taquari, sentados nos bancos rústicos do lajeado em torno da fogueira, hóspedes e residentes ouvem as arrepiantes histórias das comitivas assombradas pelas estradas narradas por nhô José ou se falam nos causos de caçadas, das pescarias, dos cágados e baús de tesouros, todos “verdadeiros” enquanto saboreiam o caldo de piranha, especialidade pantaneira, preparado pela cabocla Moema, seu verdadeiro e fiel amor. (21 linhas). abraço geral
Aristeu Fatal, AlbertoVasconcelos, Cléa Magnani e Deomidio Macedo
Enviado por Aristeu Fatal em 23/01/2021
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