Compliance

- "Compliance" é a palavra da moda - disse-me o senhor Herrera ao me receber em seu luxuoso escritório no edifício-sede da Global Estate, uma incorporadora com negócios - já devem ter adivinhado - em todo o mundo.

- É mais do que uma palavra, senhor Herrera - corrigi-o polidamente. - Ser capaz de seguir normas e regulamentos de forma ética, é de importância vital para a sobrevivência de uma empresa no mercado atual.

Herrera me encarou por cima dos óculos de lentes quadradas.

- A Global Estate não chegou a ser quem é apenas pelo respeito às leis - admitiu secamente. - Aprendemos que muitas vezes os legisladores criam dificuldades para vender facilidades mais adiante; e isso não somente em países do Terceiro Mundo, como deve imaginar.

- Daí a necessidade de aderir a um programa de compliance - repeti, sem me abalar. - De outro modo, não entendo porque teria convidado a minha empresa a elaborar um para a sua.

- O que queremos é o seu selo de qualidade, meu caro - declarou ele. - Percebemos que empresas que aderem a programas como o que desenvolve, tem uma menor percepção de risco por parte do mercado, como bem assinalou. Para nós, isso é o suficiente: podermos divulgar que estamos seguindo o seu manual de boas maneiras à mesa, enquanto jantamos a concorrência por baixo dela.

- Pelo que estou entendendo, a Global Estate quer um plano de compliance apenas no papel, o qual não pretende cumprir... - avaliei cautelosamente.

- Estou sendo bem sincero - Herrera reclinou-se em sua confortável cadeira giratória. - Com as autoridades, sabemos como lidar; mas o que dizer dos investidores? Eles precisam ver uma cobertura de glacê sobre o bolo para querer comprar uma fatia.

- Mas, independentemente da sua vontade de seguir ou não o programa, se realmente comprá-lo, iremos treinar a sua força de trabalho para segui-lo - insisti. - Não teme que o que irão aprender, entre em choque com a realidade da política interna da empresa?

Herrera sorriu.

- Meus empregados sabem a quem devem lealdade - retrucou.

Negócios são negócios; vendemos o nosso programa para a Global Estate antes que um concorrente o fizesse. Meses depois, quando surgiram denúncias de corrupção contra a empresa, envolvendo autoridades estrangeiras, Herrera defendeu-se invocando justamente o fato de ter aderido à normas estritas de compliance.

- Todos os nossos empregados foram corretamente treinados - alegou numa entrevista para a TV. - Se dentre eles, algum não se adaptou à visão de mundo da empresa, será sacado antes que contamine os demais.

A Global Estate passou a ser considerada uma referência positiva na mudança da cultura organizacional; e isso, naturalmente, nos trouxe novos clientes. No fim, todos ficaram felizes - exceto, talvez, o governo. Mas não se pode agradar a todo mundo, como sabem.

- [22-01-2021]