A CAÇA
Finalmente a chuva deu uma trégua e podemos sair para caçar.
O vale, largo, dividido ao meio pelo riacho cheio de pedregulhos que mal dava para molhar os tornozelos, agora “engordado” pelas chuvas intermitentes, apagou os rastros dos veados que passaram por perto da nossa cabana na noite anterior.
Seria bom se pudéssemos achar essas pegadas porque assim teríamos a oportunidade de pegar um macho grande com bastante carne para, depois de defumada, comermos durante o inverno que deveria ser bastante rigoroso.
Olhos atentos, procuramos em cada canto os sinais da passagem desses belos animais. Qualquer coisa pode ser uma pista, um pouco de pelo ou do veludo das hastes anuais dos machos aderido aos troncos onde eles costumam se coçar, bolotas de estrume, casca de árvore com marcas de dentes ou das hastes...
Nossas espingardas foram carregadas com munição capaz de derrubar o animal apenas com um tiro. É o que se chama abate humanizado.
O animal morre antes de sentir a dor da penetração da bala.
Um galho quebrado e restos de folhas cortadas ao serem mordidas às pressas, além de tênues pegadas no chão nos indicaram que fora por ali que os animais penetraram na mata circunvizinha ao vale.
Inicialmente rala, com arbustos que não chegavam à altura do nosso ombro, depois árvores esparsas altas, frondosas que projetavam sombra no solo prejudicando a identificação das pegadas.
Nessa época do ano, para retirar o veludo, os machos esfregam as hastes recém-formadas nos troncos das árvores e o som produzido é um farol para guiar nossos passos até eles.
Silenciosamente nos esgueiramos entre as árvores até chegarmos a uma clareira onde dois machos adultos estavam se avaliando.
Fatalmente entrariam em luta para definir a qual dos dois caberia fecundar as fêmeas nessa temporada de monta.
Sem que os animais notassem a nossa presença e protegidos pela mataria, tivemos tempo bastante para fazer a pontaria e abater o maior deles.
Foi apenas um tiro. A bala penetrou pouco atrás da perna dianteira e perfurou pulmões e coração.
O outro macho embrenhou-se no mato junto com as fêmeas.
Rapidamente providenciamos a limpeza da carcaça, mas nossas mochilas eram pequenas para fazer o transporte e por serem as peças muito pesadas, nós teríamos que voltar várias vezes para transportar tudo.
Alan, meu irmão cinco anos mais novo do que eu, sugeriu que eu voltasse para a cabana levando uma das pernas traseiras e voltasse com moto-neve e o trenó.
Assim levaríamos tudo de uma única vez sem atrair outros predadores. Deixei-o só e enquanto caminhava com dificuldade por causa do peso, o tempo mudou rapidamente.
Densos flocos de neve começaram a cair em profusão. Era a primeira nevasca em setembro e isso iria facilitar o deslocamento da moto-neve.
De repente vários corvos passaram por mim fazendo enorme algazarra, talvez assustados pelos uivos de lobos em movimento por causa do odor do abate que eles são capazes de detectar a quilômetros de distância.
É uma sinfonia aterradora que faz com que você se sinta pequeno e vulnerável, principalmente estando só e longe de qualquer abrigo.
Apressei ainda mais o passo apesar da dificuldade provocada pelo lençol de neve fofa.
Pendurei a perna do veadão dentro da cabana e retornei ao local do abate com o máximo de velocidade que consegui com a moto-neve.
A cena diante dos meus olhos era aterradora.
Uma matilha de lobos enormes estava se banqueteando com a nossa caça e com Alan, que não tivera tempo para se defender.
Disparei as doze balas da minha espingarda, matando a maior parte dos lobos e ferindo com gravidade os outros que fugiram para dentro da mata.
Recolhi no trenó o que sobrou do meu irmão, retornei à cabana e pelo rádio pedi o resgate.
O Xerife do condado de Fairbanks veio no helicóptero com o paramédico que me aplicou um sedativo e recomendou que eu viesse com eles depois que sepultamos o que sobrou do meu irmão.
Devido ao meu estado emocional, o médico achou melhor eu ficar internado.
Qualquer dia desses, quando eu tiver alta vou trabalhar com criação de gado Longhorn Claves em Bandera/Texas.
Por telefone, já contratei o trabalho com o administrador da fazenda, porque pretendo nunca mais voltar ao Alasca.