OS ACORDES DAS BARATAS
Sou oriundo de uma família muito humilde e numerosa, cujas paredes da modesta casa em que habitávamos eram de adobe e o telhado com cobertura de telha francesa.
Nossa casa não tinha esgotamento sanitário e fazíamos nossas necessidades fisiológicas em privadas (fossas), localizadas em algum ponto do quintal.
A falta de esgoto, aliada aos colchões de palha, cobertores tipo São Vicente e a uma higiene precária, favorecia a proliferação de pulgas e baratas, dentre outros.
Certo dia meu pai – João Bosco - retirou o seu violão do guarda-roupa, posicionou uma cadeira em um espaço que denominávamos “terreiro da Tia Luzia” e iniciou os primeiros acordes.
Não demorou muito e de dentro do violão, saiu uma barata.
Meu pai, sempre calçado com suas sandálias tipo Franciscanas, esmagou-a. Reiniciou o dedilhamento das cordas vibrantes e sonoras, mas dessa vez saíram duas baratas.
Com um prazer indescritível, meu pai esfregou a “fuça” delas no chão.
Sentindo-se vingado, retornou à tentativa de satisfazer aos seus anseios musicais. Contudo, o tremular sonoro não desalojou apenas duas baratas: elas começaram a sair às dezenas. O Sr. João Bosco entrou em pânico, porque não queria “perder” nenhuma delas. Com o bocal de saída do som do violão voltado para baixo, balançava e batia no instrumento, ao mesmo tempo em que pisoteava as nojentas intrusas e indesejadas invasoras.
Percebendo que estava perdendo a batalha pediu ajuda ao meu irmão mais velho, que veio de pronto ao seu socorro.
Depois de tanto “baraticídio”, não houve mais vibração para melodias.