OS ACORDES DAS BARATAS

Sou oriundo de uma família muito humilde e numerosa, cujas paredes da modesta casa em que habitávamos eram de adobe e o telhado com cobertura de telha francesa.

Nossa casa não tinha esgotamento sanitário e fazíamos nossas necessidades fisiológicas em privadas (fossas), localizadas em algum ponto do quintal.

A falta de esgoto, aliada aos colchões de palha, cobertores tipo São Vicente e a uma higiene precária, favorecia a proliferação de pulgas e baratas, dentre outros.

Certo dia meu pai – João Bosco - retirou o seu violão do guarda-roupa, posicionou uma cadeira em um espaço que denominávamos “terreiro da Tia Luzia” e iniciou os primeiros acordes.

Não demorou muito e de dentro do violão, saiu uma barata.

Meu pai, sempre calçado com suas sandálias tipo Franciscanas, esmagou-a. Reiniciou o dedilhamento das cordas vibrantes e sonoras, mas dessa vez saíram duas baratas.

Com um prazer indescritível, meu pai esfregou a “fuça” delas no chão.

Sentindo-se vingado, retornou à tentativa de satisfazer aos seus anseios musicais. Contudo, o tremular sonoro não desalojou apenas duas baratas: elas começaram a sair às dezenas. O Sr. João Bosco entrou em pânico, porque não queria “perder” nenhuma delas. Com o bocal de saída do som do violão voltado para baixo, balançava e batia no instrumento, ao mesmo tempo em que pisoteava as nojentas intrusas e indesejadas invasoras.

Percebendo que estava perdendo a batalha pediu ajuda ao meu irmão mais velho, que veio de pronto ao seu socorro.

Depois de tanto “baraticídio”, não houve mais vibração para melodias.

Rafael Arcângelo
Enviado por Rafael Arcângelo em 17/01/2021
Reeditado em 17/01/2021
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