RECRUTA JOCA
Naquele tempo em que os recrutas das forças armadas ficavam internados nos quarteis para receberem as instruções, das matérias dos currículos escolares e as específicas como ordem unida, armamentos, manobras, etc. e para, como se dizia, “aprender a ser gente” os internos só recebiam permissão para visitar a família uma vez por mês se, e somente se, tivessem comportamento exemplar.
Joca era um desses recrutas, simpático, agradável, eficiente no cumprimento das tarefas e dedicado aos estudos, mas tinha um defeito imperdoável para qualquer um que queira seguir a carreira militar: era medroso.
Talvez por defeito de criação, Joca tinha medo de alma, de insetos, de escuro, de trovão, de sons sem que a origem estivesse evidente, etc.
Numa noite em que estava “de serviço”, o sargento Madureira quis pôr à prova a dedicação do recruta e, na troca da guarda que ocorre a cada duas horas, colocou Joca na última guarita do terreno, quando o muro do quartel é contíguo com a mata cerrada da reserva florestal.
Com a respiração ofegante e o coração apertado, Joca viu o pelotão se afastar.
Só, refugiou-se na guarita, mas aqueles sons vindos da mata, tornavam quase reais as imagens das histórias que se contavam sobre aparições dos fantasmas dos defuntos que os bandidos abandonavam junto ao muro do quartel.
Por vezes os sons pareciam alguém pisando em galhos secos que estalavam ao se partirem.
Pelo coaxar intermitente, sem dúvida eram sapos enormes.
Muitos morcegos passavam em voo rasante.
Com toda certeza, tinha também muitas cobras que pegavam os sapos que gemiam como gente em agonia...
Desobedecendo a instrução de que a guarita deve permanecer no escuro para que a sentinela não vire alvo, Joca não apagou a lâmpada.
Pequenas mariposas voejavam em torno da luz mortiça no teto da guarita e pererecas se banqueteavam sob os olhos apavorados de Joca que fazia tremendo esforço para lembrar-se das palavras santas das orações para que os anjos protetores viessem em seu auxílio.
Estáticos, os ponteiros do relógio não permitiam que o tempo passasse e agora mais essa, um clarão enorme antecedeu ao trovão que fez a velha guarita estremecer e reverberou por dentro da mata.
A chuva desabou de uma só vez, preanunciando o dilúvio que viria a seguir.
A apavorante sequência de raios, seguidos de tonitruantes trovões, revelou a multidão de sapos no entorno da guarita.
Incapaz de conter o terror que impedia qualquer tentativa de controlar-se para permanecer no posto, Joca em desabalada careira entrou no corpo da guarda, lívido como um fantasma, largou o fuzil no chão e refugiou-se sob a cama.
Por esse ato de flagrante descumprimento do dever, o recruta Joca recebeu 30 dias de detenção.