O caçador de patos
Certo dia, em algum lugar da França, antes de o galo cantar, anunciando o alvorecer, e o Sol despontar no horizonte, Jean, um amante da arte venatória, a vibrar de energia, retirou-se da sua casa, para uma caçada, na floresta pantanosa. Carregava um rifle e um facão. A floresta da sua casa distava uma hora de caminhada de passos comedidos pela estrada de terra, então lamacenta.
Chegando na floresta, divisou, por entre as árvores rasteiras, em uma lagoa, um pato, que singrava, tranquilamente, a calma água barrenta, e, a curtos intervalos, na água imergia a cabeça, e imersa a conservava durante alguns segundos, e a emergia.
Deteve-se Jean. Não queria de sua presença alertar o pato. Preparou o rifle, cuidadoso, em silêncio, e nem a sua respiração se ouvia. Os seus movimentos eram precisos. Enfim, rifle preparado, apontou-o para o pato. Pô-lo sob a mira do rifle. Ia premir o gatilho, e alvejar o pato, na cabeça, estava certo. Não erraria o tiro, sabia. O pato estava, à sua mira, a trinta metros de distância, e deslocava-se, lentamente, despreocupado, como se vivesse no paraíso. Não erraria o tiro, sabia Jean, que prelibava a refeição: um pato assado. Lambia os beiços, água à boca, a olhar o pato, animal tão incauto, tão inocente, tão pacato, tão… pato. Alvejá-lo-ia, estava certo. Não erraria o tiro, sabia. A menos que…
Com o pato à sua mira – um pato pato, pensava Jean, regozijando-se, lambendo os beiços, água à boca… -, preparado para alvejá-lo, surpreendeu-o, e ao pato, o estalar de um graveto, o qual algum animal premira, e o pato alçou vôo, para contrariedade de Jean, que conseguiu controlar-se, conquanto praguejasse, em pensamento, e as pragas e maldições que, em pensamento, proferia, ecoassem no interior de seu cérebro.
E Jean, o pato à mira do rifle, disparou, e…
No mesmo instante em que Jean premiu o gatilho do rifle, e ouviu-se o estampido da detonação da pólvora, e o projétil principiou, cortando o céu, a sua viagem rumo ao pato, surgiu, não se sabe de onde, um marreco, que seguiu em direção oposta à que seguia o pato, do qual distava quarenta centímetros quando o projétil alvejou-lhe a cabeça, a dele, marreco, então mais pato do que o pato.
E penas de marreco voaram em todas as direções.
E o marreco, morto, sem cabeça, caiu no pântano.
E o pato voou, a salvar-se.
E Jean, que viu o pato a afastar-se, sabia que não fôra em vão o tiro: viu penas a bailarem no céu e um corpo cair no pântano. Correu, feliz e contrariado – contrariado, sim, afinal, não alvejara o pato –, célere, até o local em que caíra o marreco, morto; ao vê-lo, sorriu, e disse:
– Mirei o pato; acertei o marreco.
E foi, feliz, para a sua casa, assobiando uma canção popular e recitando uma poesia pastoril.
E assou o marreco.
E encheu o bucho com a saborosa carne de marreco assada.
E lambeu os beiços, deliciado.