NO CÉU NINGUÉM PASSA FOME

A luz da vela ilumina o casebre. A família vai dormir, todos numa esteira. Dormir é o remédio pra não sentir fome. Eram cinco pessoas: o casal e os três filhos ( dois meninos e uma menina). Os dois rapazes faziam malabares nos semáforos.

Nas ruas o que mais aprendemos é nos virar... nos trinta, quarenta, cinquenta e sessenta.

Os jovens também recebiam muitas propostas. Mas eles eram firmes em rejeitar! Perder o caráter pode até fazer encher a barriga, mas a alma se alimentará de amargura.

Dida e Sandro jamais queriam cobiçar aquilo pertencente a outros. Cada moeda que ganhavam com as apresentações nas avenidas fazia o sorriso querer aparecer. Júlia, a primogênita da família, não puxou a garra de seus pais nem de seus irmãos para ganhar dinheiro. Era a típica jovem fascinada por roupas de grife, tudo do bom e do melhor... Mas que não queria mover uma palha para conquistar.

Seu Norival, o chefe da família, saía com um velho carrinho de supermercado catando materiais recicláveis pelas ruas enfeitadas com motivos natalinos. Ruas com muitos casarões, edifícios luxuosos.

Desde que a família veio do povoado Pé-leve , no interior de Alagoas, para tentar a vida em São Paulo, só passaram por perrengues! A começar já na viagem.... Ônibus clandestino, tiveram que optar por ele justamente para economizar. Mas como diz o ditado, o barato sai caro! E a família toda quase que perdeu a vida! Escaparam por um triz! Milagre de Deus! Dona Ludmila, esposa de Seu Norival, um dia antes da viagem foi à igreja rezar, pedir para que tudo desse certo! Mas é aquela história, não adianta pedir à Deus proteção e não fazer o que é certo, deixar de obedecer, não vigiar! Foi pela misericórdia de Deus que a família hoje está viva pra contar história! Numa curva perigosa, o motorista que trafegava em alta velocidade perdeu o controle, o ônibus tombou e por pouco não caiu na ribanceira.

Graças a Deus só tiveram arranhões e algumas escoriações.

A família teve o livramento de Deus não pra contar história, mas pra fazer história.

A vida no povoado Pé-leve era de muita labuta e total miséria. Seu Norival trabalhava numa plantação de fumo. Era só exploração! Seus filhos eram obrigados pelos patrões de seus pais, a trabalhar numa carvoaria. Não tinham nenhum benefício! Dinheiro pouco, moravam em casa de barro. Júlia, quando bebê, chegou a contrair a doença de Chagas. Muito sofrimento que não há páginas para descrever... Situação de vergonha, humilhação. As crianças não tinham nenhum brinquedo. Os brinquedos eram as pedras, os insetos ( grilos soldadinhos), os pneus velhos. Júlia sonhava em ser modelo, os garotos se espelhavam num grande ídolo do futebol.

Os meninos eram sabidos, já sabiam dar dribles incríveis, principalmente no jogo da vida. Já o pai, Seu Norival, era ingênuo, fácil de ser manipulado.

Era constantemente trapaceado por seus patrões. É a velha máxima dos poderosos usarem da ingenuidade do povo para se tornarem mais poderosos. É por isso que eles não tem a Deus, porque eles se intitulam como tal. Mas na verdade são insignificantes que se não converterem seus pensamentos serão varridos! Fazem da bondade e ignorância do povo o alicerce para construírem seus castelos de sonhos... Sonhos fúteis! Desses sonhos eles se destruirão, acabarão como a torre de Babel. Dida e Sandro tinham asco e uma revolta santa! E olha que eles ainda eram crianças! Não se conformavam de ver os pais abaixando a cabeça para os desmandos, para a miséria, humilhação! Enquanto isso muita gente adulta nesse mundo se contenta com migalhas, com os gritos das maldades, das baforadas​ do orgulho, dos olhos impiedosos da rejeição! Norival, a mulher e os filhos picaram a mula das terras do coronel​ Bentes, grande usineiro e industrial manda-chuva do sertão, homem seco, seco com as palavras, miserável de mão cheia, milionário materialmente e pobre espiritualmente.

Dona Ludmila entendia que era a falta de Deus em seu coração, os meninos também sabiam disso. Mas a maldade da própria pessoa, a sem vergonhice quase sempre é responsável pelos grandes crimes, perversidades e toda sorte de atrocidades. Deus deixou o livre arbítrio , e uma pena que muitos fazem a escolha errada! Coronel Bentes morreu quando seus funcionários​ "acordaram para a vida" e lhe deixaram. Foram pra São Paulo, conseguiram se libertar. A viagem no ônibus foi também uma viagem de reflexões, não sabiam como seria a vida na cidade grande. Não sabiam trabalhar em outro ramo que não fosse a agricultura. Mas a liberdade para existir precisa da coragem! Eles tiveram coragem, Dida e Sandro foram os mentores da decisão de viver uma nova vida! Muitas lutas, o acidente aconteceu, tudo era pra que eles desistissem, mas não desistiram. Foram em frente! Comeram o pão que o diabo amassou! Viram a filhinha Júlia chegar ao ponto de se prostituir, menina adolescente ganhando corpo e sendo ganhada pelo mal para conquistar o glamour, mas tudo ilusão. Ilusão e lágrimas! Muitas lágrimas de olhos que viram ingratidões, ouvidos que ouviram " você está despedido!", Corpos que se feriram e mãos calejadas! Barrigas vazias. Mas apesar das lutas, jamais blasfemaram de Deus!

Eles foram se endireitando, foram guardando a palavra de Deus e obedecendo!

Não ficaram esperando o Maná cair do céu!

A vida na terra é de luta, e a luta é gloriosa quando se luta junto com Deus. Hoje esta família mora no céu. Estão na glória!

( Autor: Poeta Alexsandre Soares de Lima)

Poeta Alexsandre Soares
Enviado por Poeta Alexsandre Soares em 02/01/2021
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