O ANÔNIMO
Tinha nome e endereço.
Mas no condomínio ninguém sabia.
Senhoras pomposas, jovens galantes,
moças elegantes e faceiras, velhos tristonhos,
crianças barulhentas e seus animais infernais, passavam por ali diariamente.
Entregadores de lanches esquálidos e apáticos,
limpadores de piscina, jardineiros, faxineiras e babás.
Todo tipo de gente
entrando e saindo pela portaria.
Provavelmente ninguém o notava.
Causava-me compaixão a sua humildade!
- Bom dia, Seu Gláucio!
Era sempre o mesmo ritual.
A sua aparência era fúnebre: moreno e baixinho;
tinha seus trinta e poucos anos.
Vestia invariavelmente uma camisa de botão azul de tergal,
calça marrom, sapatos pretos acinzentados pelo tempo.
Os cabelos negros colados ao couro cabeludo como que “lambidos de vaca”;
semblante melancólico, olhos tristes e famintos;
voz baixa e fina.
O físico desaprumado e infame completavam
a estampa daquele dejeto humano.
Mas tinha algo profundamente humilde.
A pequena guarita onde cumpria seu ofício era um espaço ínfimo.
Guarnecida apenas por uma mesinha e cadeira
e uma pequena TV tubo de 12 polegadas.
Havia dedicado uma vida inteira a esse mister.
Seguramente era a única coisa que sabia fazer...e mal.
Não raras vezes topava com algum pedestre incauto
passando por ali e, sem sucesso, tentava “puxar papo”.
- Dona Mariana, estais bonita hoje!
E outro: - Bom dia, patrão! Vai viajar hoje?
E mais: - Tempo fechou, parece que vai chover, né Rafa?
A resposta vinha geralmente tosca e monossilábica.
É que naquele condomínio residiam pessoas respeitáveis,
importantes e ilustres, e cumprimentar indigentes
e miseráveis não fazia parte do protocolo.
Infringia as regras de etiqueta e dos bons costumes.
Não havia espaço para tamanha banalidade e infâmia.
Inusitadas vezes o vi fora da casinhola perambulando pelo pátio.
Balançava os braços e tocava as mãos. Chutava algo no chão.
Coçava a cabeça. Fazia gestos estranhos
como se tivesse grandes preocupações.
Um dia, perguntei-lhe qual era seu nome.
A resposta veio acanhada e lacônica:
- Seu Gláucio, pode me chamar de “Zé”, mesmo!
Aquelas palavras me partiram o coração!
Fiquei imaginando, que nome seria mais humílimo que “ZÉ”?
Godofredo? Dezêncio, Beldegaras, Arnesto?
Frindudino, Lindulfo, Ministéio?
Placídio? Telesforo?
Sabe-se-lá-Deus!!!
E continuava ali na portaria,
ignorado, ignorante...
e ANÔNIMO.