VILA MADALENA
Aristeu Fatal
Não é o local mais bonito de São Paulo, mas tem um charme que lhe faz ser um dos bairros da capital paulista de maior procura pela população. Suas atrações são o comércio grande de lojas de decoração, móveis antigos, artesanato geralmente produzidos pelos chamados “hippies”, como acessórios femininos, brincos, anéis, colares e pulseiras. Há também, muitos ateliês de artistas plásticos, pintores e escultores. Muros decorados. Entretanto, se destaca pela infinidade de estabelecimentos ligados à gastronomia, bares, botecos, lanchonetes e um sem número de restaurantes de todos os tipos de comida, regionais e estrangeiras. Nesse cenário é que Zuleica, uma bielo-russa trintona, bonita, esbelta, figura assídua do Astor, um dos bares-restaurante mais famosos da Vila, que ela frequentava, sempre disposta a encontrar um bom papo. Sexta-feira, sentada em sua mesa preferida e reservada, com o gim-tônica costumeiro à sua frente, de onde tinha uma visão geral de quem entrava e saia, volta e meia focalizava a frase do poetinha Vinicius, posta numa coluna, que afirmava ser “o whisky o melhor amigo do homem, o cachorro engarrafado.” E sorria. Eis que, quando já estava ficando desiludida, adentram o recinto três cavalheiros bem-apessoados, também na faixa dos trinta, e se acomodam em uma mesa próxima de Zuleica. Não foi difícil a rápida ligação do grupo com a moça. Eram três argentinos alegres que vieram a São Paulo assistir ao jogo de futebol entre o Corinthians e o Boca Juniors que aconteceria no domingo, na Arena de Itaquera. Diego, 32 anos, Juan Carlo 31, e Martino, 30. Todos ligados a indústria vinícola. Moravam em Mendoza, a capital do vinho na Argentina, e vieram ao Astor recomendados por amigos mendozitos*. Zuleica chamou o Pacheco, seu garçom preferido.
*mendozitos: habitantes de Mendoza
Cléa Magnani
Como frequentadora do comércio da Vila, Zuleica conhecia uma loja de artigos esotéricos cuja proprietária, com seu bom gosto fizera do pequeno espaço onde expunha cristais, pedras para todos os fins, incensos, etc., atrás de uma cortina grená, o seu minúsculo consultório, onde realizava os sonhos ou os desfazia por completo, ao revelar passados e futuros. Naquela semana Zuleica havia desfeito uma relação que não vinha sendo satisfatória para ambos, e resolveu adivinhar o que o Futuro lhe reservava. Entrou na simpática lojinha, um tanto desanimada com o fim do romance, e saiu dali cheia de esperanças, pois a vidente lhe previu um encontro que modificaria definitivamente a sua vida. Porém ela teria de fazer uma escolha bastante difícil, e dessa escolha estaria definida a sua felicidade ou o seu desencanto. Aquelas palavras não lhe saíram da mente pelo resto da semana. Já não se lembrava mais do seu ex. Estava ávida por vida nova! Sexta-feira à noite Zuleica decidiu recomeçar sua vida! Arrumou-se com muito bom gosto, prendeu os longos cabelos de modo a deixar uma mecha, marota a brincar sobre seu olhar bem maquiado, e dirigiu-se ao barzinho que costumava frequentar com seus amigos. Mas diferentemente do que era costume, foi sozinha, e agora se encontrava ali, conversando animadamente em “portunhol” com aqueles três atraentes rapazes que se mostravam tão simpáticos, quando Pacheco atendeu à mesa e perguntou se ela iria querer o mesmo de sempre. Martino, mostrou-se surpreso, e disse sorrindo: “¿Entonces nuestra hermosa amiga siempre viene aca?" Zuleica, respondeu que sim, E ao serem servidos, quando brindaram à nova amizade, Zuleica ergueu seu costumeiro gin-tônica, que lhe deixou na boca um sabor diferente, de suspense, de surpresa, de emoção e ternura... ao beberem, ela notou que Diego a fitava em silêncio, como a querer adivinhar seus pensamentos...
Deomídio Macedo
Zuleica aceitou o convite de Diego, Juan Carlo e Martino para ficar com eles à mesa. O garçom Pacheco acompanhou a sua amiga até os rapazes. Imediatamente, como um verdadeiro cavalheiro, Diego se levantou, deu boas vindas, puxou a cadeira que estava ao seu lado e pediu a moça para sentar-se. Apresentou os seus amigos e beijando a mão de Zuleica falou o seu nome, bem galanteador e sorridente. O seu olhar naquele momento fixou o olhar daquela linda mulher e Zuleica sentiu uma energia sacudindo todo o seu corpo, vibrando em seu coração. Diego, o mais extrovertido e interessado na jovem, puxou logo a conversa, dizendo que estavam ali para assistir ao jogo de futebol entre o Corinthians e o Boca Juniors, que acontecerá no domingo, na Arena de Itaquera. Zuleica ficou muito feliz com aquela notícia, porque ela como torcedora fanática do Corinthians, não poderia perder a grande oportunidade de assistir a um belíssimo jogo e também, conquistar o jovem Diego. Ele ficou encantado com aquela informação e sem pestanejar fez o convite a ela para assistir à partida de futebol com eles, o que ela aceitou imediatamente. No Bar Astor, o ambiente estava propício para se namorar. A música era suave, e como boa dançarina, Zuleica não pensou duas vezes, e convidou o seu cupido para dançar. O Bar Astor reserva um espaço para os casais que queiram bailar. Diego se esquivou porque a praia dele é o tango. Mas, pela insistência da moça não teve outro jeito. Eles começaram a dançar, suavemente, ao som da música “Café da Manhã” de Roberto Carlos. A proporção que a música descrevia a cena de amor que o cantor sensivelmente compôs, Zuleica sentiu a respiração do rapaz em seu ouvido e arrepiou-se. A boca de Diego foi se aproximando lentamente dos seus lábios e o beijo aconteceu selando aquele encontro no Bar Astor.
Alberto Vasconcelos
Mas o mar sem ondas dos dias atuais eram fruto da perseverança do amor. Seis meses depois daquela noite no Astor, Diego e Zuleica casaram na igrejinha do bairro, sendo Pacheco o padrinho dela. Mudaram para Mendonza, mas por desentendimento com o patriarca da família, o casal, ainda sem filhos mudou para Buenos Aires aonde imaginavam haver maiores oportunidades. Sem dinheiro e sem emprego, alugaram um quarto barato num conventillo* em La Boca. A vida desregrada dos atuais vizinhos só aumentava a saudade que Zuleica sentia da sua querida Vila Madalena, mas o amor que os unia, fazia com que ela, diariamente enfrentasse a tediosa caça aos turistas como dançarina de tango, pelas ruas do Caminito a fim de ganhar alguns pesos. Diego, como antigo fornecedor de vinhos, conseguiu emprego como sommelier na casa de espetáculos Señor Tango, mas seus ganhos estavam limitados à ínfima comissão sobre as vendas dos vinhos que os clientes comprassem para levar. Zuleica insistia para voltarem para o Brasil, aonde as chances de sucesso eram maiores e não passariam fome nem frio, mas Diego não admitia voltar derrotado pelo destino. Com a morte do patriarca, a matrona da família mandou busca-los para que Diego assumisse a direção dos negócios da família. Agora o que afligia o casal era a falta de filhos. Zuleica não engravidava e Diego se recusava a fazer espermograma. Na solidão do quarto, o casal discutiu e se acusou mais uma vez, mas na manhã seguinte, dona Mercedes sentenciou. Aprontem-se, porque nós iremos buscar a criança que vocês vão adotar. No final da semana seguinte ocorreu o batizado de Pablito.
*Pensão barata.
- Aristeu Fatal
Sem dúvida, a vida do casal melhorou. Pablito se tornou um menino muito ajuizado, inteligente, ia bem na escola, de modo que Zuleica e Diego passaram a se entender; a vinícola prosseguia crescendo, seu vinho já participava de concursos e ganhou alguns prêmios de qualidade. Esse clima contribuiu para Zuleica, que nunca perdera a esperança, vir a engravidar. Foi o clímax da felicidade do casal. Logo o rebento veio à luz, num procedimento sem qualquer tipo de problema. Diego Jr., como foi chamado, e logo tratado como Dieguito, se tornou a coqueluche da família. Quando completou dez anos, a avó Mercedes veio a falecer. Zuleica e Diego, a fim de melhor enfrentar a perda da matrona, resolveram, pela primeira vez após o casamento, ir a São Paulo. Ela sentiu a maior felicidade em rever, depois de tanto tempo, sua cidade predileta. Foram a todos os lugares em que estiveram durante o namoro, e em determinada noite, deixando as crianças com a babá no hotel, foram ao Astor. Incrível, o Pacheco ainda trabalhava lá. O encontro foi uma festa. Logo ele trouxe o gim-tônica para Zuleica e o vinho para Diego. Aproveitando a ausência dos filhos, após o jantar, foram a um motel para finalizar aquela noite maravilhosa e inesquecível. Decorridos sete dias de plena felicidade, voltaram para Mendoza, para continuar a tocar a vida que tanto almejaram.
Dessa vez, a cigana não enganou!