CALDO DE MOCOTÓ

Na porta do estabelecimento de dona Edwiges, tinha uma tabuleta pintada de branco com as letras pretas, bem grandes, dando o recado para aquele bando de pinguços que ia lá, diariamente, tomar o caldo de mocotó para aliviar as bebedeiras:

- Eu tenho o nome da santa,

Que gosta de endividado,

Mas como eu não sou a santa,

Nunca vou lhe vender fiado.

Um desses frequentadores era o irmão do meu pai, que além de ir todos os dias jogar bilhar, voltava para casa com a caveira cheia de cerveja e de caldo de mocotó, que ele dizia ser o remédio milagroso para quem está precisando curar bebedeira ou melhorar o desempenho com as meninas que gostam de xumbregação.

O “Restaurante Santa Edwiges” ficava na sala da casa em que a dona morava com a afilhada, Terezinha, uma neguinha espevitada que vivia se fazendo de gostosona no meio dos fregueses enquanto servia as mesas, mas que era magra feito um cancão das pernas finas, sem nenhum atrativo que chamasse a atenção, apesar da cor e da origem africanizada, tinha a bunda chocha feito de recém-nascido.

Mas em matéria de trabalho, era competentezinha de fazer gosto, nunca se viu qualquer sujeira nos mocotós, nem nos talheres com que eles eram servidos, assim como nos guardanapos de pano, porque não tem no mundo quem limpe a boca com guardanapo de papel sem ficar com a cara, principalmente o bigode, cheios de pedacinhos pregados com a cola do caldo.

Por causa da grande freguesia e do comércio bem-sucedido de dona Edwiges, a coisa mais difícil do mundo era se conseguir comprar mocotó, mesmo nos dias de matança, porque logo cedo, ela mais Terezinha iam para o matadouro com dois carros de mão e compravam as patas dos animais abatidos. Como ela mesma dizia, quanto mais melhor.

A sabedoria popular diz que por conta da anatomia dos animais, o pé da vaca e a mão do boi fedem a urina, mas para ela não tinha esse negócio de mão ou pé, era tudo mocotó e seriam limpados, tratados e temperados com o mesmo zelo.

Numa tarde de sábado, conversando com um amigo no portão da casa, tio Nilo sem prestar atenção que a mulher estava por perto, disse ao amigo:

- Olhe, Gaspar, nunca mais eu digo a Conceição que gosto de tomar caldo de mocotó.

- Por que, compadre?

- Desde que eu disse a ela, sem nenhuma intenção, que acho caldo de mocotó a maior maravilha do mundo que, todo dia, chova ou faça sol, tem o diacho do caldo de mocotó para eu tomar, dizer que está bom e perguntar se tem mais. E isso já faz mais de mês...

Tia Conceição que estava abaixada arrancando mato do canteiro de bocas de lobo, ouviu a reclamação e falou sem nem se levantar, - pois, seu cabra ingrato, nunca mais na sua vida você vai tomar caldo de qualquer coisa feito por mim.