SEO DITO, BENZEDOR.

A cidade mineira ao pé da serra. A brisa suave e um cheiro de café fresquinho. Os pães de queijo na mesa. O garoto de doze anos veio até a cozinha. -"Se ajeita que tem aula, Chiquinho! " O garoto não parava de coçar as costas. A mãe se preocupou. -"Deve ter sido pernilongo! Só passar álcool." Ela estranhou os cinco pontinhos vermelhos nas costas do filho. Achou melhor dedetizar o quarto do menino. No dia seguinte, o garoto se queixou de dores nas costas. -"Os pontos vermelhos estavam chegando debaixo do braço do garoto. -"Mãe. Está coçando muito." As bolhas. A pele vermelha. -"Filho. Estou achando que isso é cobreiro." O menino tinha ido tomar banho, na cachoeira do padre, com os amigos Tuta e João. -"A cachoeira. Você deve ter colocado as roupas na grama. Algum bicho venenoso, sapo ou aranha, passou nas suas roupas." O garoto puxou pela memória. -"Quatro dias estou com essa coceira danada. Nadamos pelados, por uma hora ou mais. As roupas ficaram na grama." A mãe se desesperou. -"Meu Deus. O cobreiro vai dar a volta e pode te matar, menino. Vai chegar no peito, te sufocando." O garoto ficou assustado. A noite chegou. A febre. O garoto dormiu de bruços. -"Passei maizena com azeite no Chiquinho. Ele está macambúzio, dá até dó." Disse Matilde, por telefone, ao irmão. -"Traga o Chiquinho pra cá. Tem um benzedor bom aqui, o Seo Dito. Essas coisas só curam com reza e benzimento." Matilde besuntou o filho com mel. O garoto sentiu dores nos braços de tanto espantar as moscas com um jornal velho. A rodoviária. Matilde soube que teria partida de ônibus pra Caratinga só no dia seguinte. Chiquinho não foi a escola. -"Se alguém tocar no garoto, pode pegar o cobreiro também!" Disse a professora Clarinda a mãe do menino. Chiquinho ficou o dia todo sem camisa. A mãe riscou, com caneta azul, em volta das feridas mas não adiantou. O banho frio no menino. As roupas limpas. O cabelo penteado. Era a primeira vez que o garoto andaria de ônibus. Uma viagem de duas horas. Abelardo recebeu a irmã com alegria. Chiquinho pediu a bênção ao tio, que só vira duas vezes. Ele ergueu a camisa. O tio fez cara de asco. -"Eita, trem feio que só a peste. Isso é cobreiro dos brabo. Isso foi sapo de pele amarela ou aranha que passou nele." Meia hora de viagem, na charrete, até o sitio de Abelardo. Um café e bolo de milho. A prosa demorada dos irmãos. -"O Seo Dito mora no Areião, perto do morro do francês. Está alí desde os primeiros tempos da República! O homem é filho de antigos escravos mas forte que só." Após o almoço gostoso, eles partiram pra casa do curandeiro. O sol forte. A estradinha de terra. A casinha de pau a pique ao pé da serra. As galinhas no terreiro. Os pés de manga carregados. O pilão. Os três cachorros. Um aroma de café. -"Seo Dito. Oh, de casa!" Gritou Abelardo. Um velho saiu. Os cabelos brancos como neve. Um cachimbo na boca. Os olhos esbugalhados. Corcunda, amparado por um cabo de vassoura. Uma calça marrom surrada e um chapéu de palha. -"Aquele velho vai me curar? Nesse fim de mundo?" Pensou o garoto, incrédulo. O velho apontou para Chiquinho. -" Entrem. Eu sabia que ele vinha, está macumbado!" Dona Matilde abraçou o filho. -" Pode ser cobreiro, Seo Dito? Já está dando no peito e nada faz sarar. Cuide do meu filho." Eles entraram. O garoto notou um fogão a lenha, uma mesa, só uma cadeira. Uma cortina estampada. . Uma cama com colchão de palhas. Uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. Quadros de santos, rosários e velas de todas as cores. -"Senta na cadeira, filho. Indisposição, febre, cansaço, falta de ar. Sei que está assim." O velho foi até o fogão. Um caldeirão. Ervas amarradas e penduradas na parede. Um pedaço de corda virgem. Uma faca. -"Meu Deus. O velho vai me amarrar e operar!" Pensou o garoto, desmaiando nos braços do tio. Matilde chorava. O benzedor deu a faca a Abelardo. -" Passe a lâmina quente sobre a pele dele, das costas pra frente. Não deixe encostar. Vou rezar por ele." Chiquinho voltou a si. Tomou uma caneca de esmalte com água. O garoto estava aliviado. Seo Dito sussurrando. -"Nossa Senhora da pedra fria, seja meu guia, guardai a porta da rua, enquanto tiver sol e lua. Nosso Senhor dos passos, guardai a porta do quarto. Nosso Senhor crucificado, seja a nossa luz enquanto estamos deitados. Com Deus eu me deito, com Ele me levanto. E vem, proteja a nós, divino Espírito Santo. Proteja o menino desse encanto, desse cobreiro, de inveja e de quebranto. Corte essa faca a cabeça, tronco e rabo. Saia cobreiro brabo. Corte essa faca, benze cabeça, tronco e rabo. Eliminado está o cobreiro brabo. Em nome da Virgem Maria, pedimos proteção para a noite e dia. Galho de arruda, dê ajuda. Galho de alecrim, ajude-nos assim. Galho de mastruz, quem cura é Jesus." As mãos do benzedor na cabeça do garoto. Ele sussurrou palavras numa língua desconhecida. Matilde e Abelardo sonolentos com aquela ladainha. As velas acesas. Um vento entrou na casa. -" Respire devagar enquanto a gente orar!" Chiquinho sabia as orações do Padre Nosso e Ave Maria. Decidiu rezar baixinho. Já estava começando a gostar daquele homem parecido com o tio Barnabé, do Sítio do Picapau Amarelo. O benzedor passou um unguento nas costas e no peito do garoto. Ardeu muito mas logo aquilo esfriou. -"Logo passa, filho. Os seres de luz estão aqui. Eles chegaram." Chiquinho olhou para os lados. -"Seres de luz? Só estamos nós aqui." Pensou o menino. Estava se sentindo muito bem. Ele viu a sua mãe emocionada. -"Quanto é, Seo Dito?" O velho sorriu. -"Não é nada. Foi Deus quem curou. Pode passar uma pasta de mel e alho, se quiser adiantar a cura." O menino abraçou o benzedor. -" Eu adorei o abraço, Chiquinho! Vai com Deus, filho." Abelardo estava satisfeito. -"Vou trazer uma banda de um porquinho pro Seo Dito, semana que vem. Ele merece." Matilde ficou um dia na casa de Abelardo. As feridas do garoto secaram e logo a pele estava saudável. Dias depois, ele contou o fato a sua professora e aos amigos de escola. -" Estranho. O Seo Dito me chamou de Chiquinho mas não me lembro de minha mãe ter me apresentado a ele!" F I M

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 03/12/2020
Reeditado em 03/12/2020
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