Cão falante à venda
O freguês chegou, curioso, e de cara agradou. Estava lá o cãozinho falante, à sua frente. O dono, pra deixá-lo à vontade, afastou-se e foi cuidar de seu jardim de papoulas, mais pro fundo do quintal, com uma recomendação:
o senhor tem cerca de meia hora para a entrevista, pois tenho outro potencial cliente a caminho.
E logo se travou o diálogo seguinte:
- Você fala mesmo, cãozinho? Como se chama?
- Responderei à segunda, senhor, que implica resposta à primeira:
chamo-me Fluffy Ruby...e o senhor...?
- Sou Joaquim Manuel. Diga lá, como aprendeu a falar?
- Tive uma babá, desde filhote.
- Fala-me um pouco de sua história...
- Bem, como deve ter uma próxima entrevista, vou ser sintético:
desde a tenra puberdade revelei-me um intuitivo detector, e a CIA, logo me descobrindo, convidou-me para exames, que prestei com sucesso e brilhantismo, em língua inglesa, e fui então contratado com excelente nível salarial; ao longo de meus doze anos de prestação de serviços - sou agora aposentado pelo Governo norte-americano - ascendi rapidamente na carreira, em consequência de dedicação e eficiência comprovadas a cada patamar de incumbência; auxiliei positivamente no desbaratamento de cartéis do tráfico internacional de drogas e de pessoas; olavista do carvalho, detectei comunistas de carteira e sem carteira até, pelo mundo afora, a uma simples e despretensiosa cheirada; quando entrei no Vaticano então, fui do Papa ao sacristão...No Brasil, de Jesus e de Nossa Senhora Aparecida, foi uma olavagem que o senhor nem pode imaginar...até no Recanto de Letras desvendei uma corrente determinada a derrubar o governo, destruir a família, a implantar o boiolismo, o ensino pagão, e tantas outras barbaridades que tem a marca do sacanismo cristofóbico... Bem, vem voltando aí o meu dono - ainda - e devo parar por aqui...espero que o senhor entenda e releve minhas razões...
O dono retorna, e pergunta a um perplexo, queixo-caído, entrevistador:
- Que tal, como foi a entrevista...?
- Muito reveladora, absolutamente surpreendente...e quanto o senhor quer pelo Fluffy Ruby?
- Dez reais!
- Mas como? Dez reais, eu não posso crer, é irrisória quantia... uma indignidade para com um animal tão preparado, instruído e simpático...
- Se o comprar, o senhor vai ver já ir logo a hora de o passar para frente...ele é um mentiroso compulsivo...