A MULHER DO GUARDA-CHUVA
Causo de veracidade verdadeira


    Hoje eu vou contá pra ocês a estória de um amigo meu, um prefessozinho lá das bandas do sul, de nome Afonso, um hominho muito do correto, pessoinha ajeitada no seu modo de pensá, de quem eu tenho grande estima.


    Diz que uma vez, isso já vai longe, quando o cabra ainda tava de começo na lida de prefessô de Ingreis, ele se meteu em um forrobodó com uma mulhézinha muito da birrenta, arreliosa por demais, daquelas bem cascuda mermo.


   O assucedido foi bem anssim: esse meu amigo administrava o serviço lá dele pra molecada quando, pela janelinha da sala de aula, percebeu que o céu tava se alterando ligero em meio a uma anarquia de nuvens escuras, pesadas, cheias de coriscos relampejantes de todos os tipos e tamanhos. O pobre, desse jeito, deu fé que a tormenta d’água ia batê no lombo da criançada bem na horinha deles ir prá casa. Um perigo.


    Daí, ele saiu desembestado pela escola à procura da diretora pra dizê a ela de mandá a molecada embora mais cedo, pra mode deles não pegá aquele temporal brabo nas carcunda, pois podia acontecê algum acidente. Ora, podia inté morrê gente!


   Mas o pobrema é que a diretora não tava na escola não e ninguém tinha governança de mandá aluno embora antes das hora combinada. De modo que o meu amigo teve de engolí o desassossego e vortá pra sala amoado, desgostoso com a falta de traquejo do funcionário mais graduado pra arresolvê aquela situação.


    Rapaiz, num é que o prefessozinho tinha razão mermo! Quando bateu o sininho pro molecório ir embora... eita que São Pedro lá de riba abriu as comporta do céu e o mundo desabou-se em água! Foi um desespero só, uma correria apressurada da molésta. Os prefessô tudo que tinha artomóvi pegou a estrada anssim mermo, no meio daquele atropelo todo, e se escafederam dentro do mundaréu de chuva.


   O Afonso, na época, não tinha artomóvi, não tinha guarda-chuva e, com medo de levá um relampo no meio do quengo, amoitou-se dentro da escola com um bando de aluno cagão igual ele.


   Menino, o negócio ficou feio, viu? O tormento de chuva aumentou além do esperado. Uma tempestade ruim, arrepiada, com vento forte, uma coisa anormal. Olha, era um despotismo de água vertendo do céu de um tal jeito que inté assustava cabocrinho acostumado aos aguacero de verão lá do sul.


    O Afonso ficou preocupado com a mulhézinha dele em casa sozinha. Por causa disso, o pobre foi inté à secretaria da escola pra mode de telefoná pra esposa, porque naquele tempo não existia esses telefoninho de bolso de hoje em dia não, viu?


    E, olha, foi bem nessa hora aí que a mazorca aconteceu. De repente, rapaiz, uma mulhé grande, enorme, encorpada mermo, armada de um despropósito de guarda-chuva molhado, pingando água por todo lado, invadiu a secretaria, trazendo com ela no reboque uma penca de moleques doidinhos pra vê o furdunço que ia dá aquele trem.


    Então o Afonso, ainda trajado de guarda-pó, dentro da secretaria, caiu nas vistas da abiscoitada como se ele fosse a autoridade máxima da governança dentro da escola. A mulhé tava soltando fogo pelas venta, aporrinhada por demais da conta, com os zóião esbugalhado de raiva cravado nele. Não deu tempo nem do pobre dizê um “oi” e a criatura já foi esparramando o verbo alto por riba do desenfeliz bem anssim:


    — Ocês tão louco, é? Ocês não têm juízo? Ocês não têm filho? Ora, aonde já se viu? Deixá as criança ir embora debaixo desse temporal! O sinhô, por acaso, comeu merda quente e saiu no vento frio quando era pequeno, foi?


    O prefessozinho largou o telefone. Inté ensaiou um começo de fala, logo interrompido por aquela criatura abespinhada.


    — O que é isso? O que é isso? Aonde já se viu uma coisa dessa? E se um relampo caí na cabeça de uma criança, hein? O que o sinhô vai fazê? Vai no enterro?


    — Olha, senhora, eu sou apenas o prefessô de Ingreis... – tentou dizê o meu amigo.


    A mulhé era bruta mermo, cascuda da pior marca. Não dava chance de defesa.


    — Ocês não têm coração não? Quando é pra chamá nóis aqui pra falá mal, prá arreclamá dos nossos filho, ahhhh, ocês chamam, né? Quando é pra cuidá deles porque os pobre tão aqui dentro, na responsabilidade de ocês, os pais é que se virem! Ah, mas isso é muito bonito pra cara de ocês!


    E o esbregue foi se desenvolvendo mais ou menos nessa toada: a senhora não parava de arreclamá, o Afonso, homi de boa conduta, respeitadô de todo tipo de mulhé, não conseguia rompê o palavrório arrepiado por riba dele e lá fora a chuva caía num desague que não tinha mais tamanho. Aquele trem já ia de mal a pior inté que, adespois de uns cinco minutos de diluí aquela munição toda de desaforo, a maluca da mulhé se deu por sastisfeita e, sem mais nem menos, foi embora.


   Espera um instantinho. Só deixa eu tomá um gorpinho de corotezinho de côco que nóis já continua com o causo. He, he, he... hum... coisa boa, sô. Essa é de estralá os beiços mermo.


    Pois bem...a estória do esbregue que o meu amigo levô nas fuça criou pernas por toda a escola no outro dia, rompeu inté à vizinhança mais próxima. Mas o pior é que os colega dele de profissão queria sabê do adetalhamento do acontecido, só que o Afonso não topava jeito de falá sobre o assunto não, pois deixava o cabra avexado, sem jeito.


    Passou-se uns 3 dias, e aí ele tava administrando as aulinha lá dele de Ingreis, já sentindo a molecada na sala querendo puxá assunto pro enrosco dele com a maluca do guarda-chuva. O homi se fez de desentendido, que não era com ele, inté que uma hora a Évelin, uma lorinha muito bonitinha, sentada na primeira fila das mesinha, puxou o rumo da conversa naquela direção.


    — Prefessô, no dia da trovoada aquela mulhé tava muito nervosa, né?


    Como ele viu que não ia conseguí se desviá do assunto... bom, pensou lá com os botão dele: eu vou enfrentá logo este trem e acabá de veiz com essa gastura.


    — Pois é, foi um sufoco. Aquela senhora deve de tê um parafuso de menos! – Arrespondeu o meu amigo, sem largá a escrita de giz no quadro.   


    — Mas, prefessô, pensando bem a escola podia tê batido o sino mais cedinho prá gente ir simbora e não pegá aquela chuva toda, né?


    — Sim, o pobrema é que a diretora não tava. Olha, sabe do que mais? Na minha opinião, a mulhé até podia tá certa, mas ela não podia é invadí a secretaria, atacando o primero desenfeliz que ela encontrô pra dizê aquilo. Não! Não podia não! Aquela senhora devia é de apercurá tratamento médico. Ela devia de sê internada, isso sim. 


    Os alunos perceberam que o Afonso começou a ficá um tanto arreliado e a lorinha, temoisa por demais, quis dá mais corda àquela conversa e falou de voz meio desafiante:


    —  O sinhô não acha que ela tava com a razão? Ela perdeu as estribera, mas não tava com a razão?  


   Ah, o Afonso já enfezado com aquela prosa virou-se pra molecada, mirou à menina emproada, aquele tico de gente, e falou na bucha:


    — Aquela mulhé é uma demente, isso sim é o que ela é!


    Humm... rapaiz, quando ele falô isso, de repente começou a se formá lá in dentro da cachola dele uma desconfiança, um aperto no coração, inté pensou de arrecuá nas opinião, mas já era tarde. E antes dele abrí a boca pra desdizê o já dito... aaah, não deu outra: a lorinha bonita se encrespou-se num ropante, levantou-se da mesinha num pulo, os beicinhos começaram a se tremê todo e saiu correndo despachada pra fora da sala.


    O prefessozinho, coitado, ficou sem sabê bem o que fazê,  já bacorejando que aquele trem não ia prestá porque, meus amigos de boteco, companheiros de copo, é como eu sempre digo: o peixe morre é pela boca, viu?


    Enquanto ele olhava pra molecada, meio abobolhado das ideia, lá longe ecoava nos corredô da escola, pra quem quisesse escuitá, o lamento sofrido da menina Évelin largada num berreiro desembestado, chorando as pitanga do mundo bem anssim:


    — Eu vou contá tudo pra minha mãe, buuaaaaaaaaa!

 

 

 

 

Affonso Luiz Pereira
Enviado por Affonso Luiz Pereira em 11/11/2020
Reeditado em 29/11/2023
Código do texto: T7109584
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