TROPEÇO

Este conto é produção conjunta de escritores do GRUPO5 do blog GANDAVOS CONTADORES DE HISTÓRIAS.

– Aristeu Fatal

Assim que desceu do taxi, e retirou suas malas, Everardo notou a casa abandonada. As janelas cerradas, com aspecto sujo, a porta, igualmente empoeirada, tinha seu rodapé cheio de folhas secas. Ficava num bairro de classe média da capital de São Paulo, na Saúde. Tudo aconteceu há um ano. Executivo de uma multinacional, Everardo chegou a esse posto galgando degrau por degrau. Começou como simples escriturário, no setor de compras. Inteligente, e mais que isso, voluntarioso, demonstrava grande interesse em aprender tudo o que fosse útil. Assim, angariou a simpatia de seus superiores. E, foi crescendo na empresa. Supervisor, chefe, assessor da diretoria e, finalmente, conquistou um cargo de diretor. Além de respeitado como profissional, sempre teve um procedimento muito simples, tratando seus subordinados com muito carinho, sem nunca perder a autoridade. Ademais, como a matriz da empresa se situava na Alemanha, a cada mês, mês e meio, havia necessidade de para lá viajar. Paralelamente, a vida social de Everardo se modificou de forma total. Por ser o executivo da empresa, sentia-se obrigado a frequentar os eventos sociais. Vindo de família simples, e tendo se casado com uma mulher que como ele vindo do interior, não acostumada a participar desse tipo de eventos, ele sempre comparecia aos mesmos desacompanhado. Com 25 anos, boa aparência, simpático, bem-posto profissionalmente, não foi difícil despertar o interesse do sexo feminino. Everardo resistiu por um bom tempo. Pensava na mulher, fiel companheira, no filho. Chegou um momento, todavia, em que a fortaleza sucumbiu.

– Cléa Magnani

Num evento de final de ano, quando a Empresa promoveu um jantar regado a vinhos alemães, após os aperitivos, e brindes ao sucesso do ano que se findava, a chuva costumeira, de dezembro em São Paulo, caiu forte, e não estava com jeito de parar tão cedo. Passava muito da meia noite, e Janete Müller, a escultural secretária do Diretor, com quem Everaldo havia dividido a mesa durante o jantar, e se divertido bastante com o bom humor da jovem de um sorriso cativante, e um decote alucinante, ia pedir um taxi para voltar ao seu apartamento, nos Jardins, quando Everardo, um tanto quanto alegre com os drinques e muito mais alegre pela presença de Janete, cavalheirescamente se prontificou a levá-la para casa. O trânsito nas primeiras horas da madrugada, por causa das festas de encerramento de várias empresas, e pela chuva, estava bastante complicado, mas a presença da jovem ao seu lado, o perfume inebriante que a envolvia, seus longos e muito bem tratados cabelos, que ela jogava, de um lado para outro, cada vez que ria, a sombra dos pingos da chuva no para-brisa que pareciam brincar de escorregar pelo seu rosto e iam se perder em seu colo, fazia com que Everardo se sentisse profundamente atraído por ela, e sem o menor controle, colocou a mão em seu joelho enquanto esperava o farol abrir. Na verdade, ele queria que o farol não abrisse tão cedo... Janete, sem saber do estado civil de Everardo, simplesmente colocou o braço em torno do ombro dele e sorriu, como a consentir o carinho.

– Alberto Vasconcelos

Durante as reuniões da diretoria, Everardo ouvira Herr Leonard Günther, Presidente Executivo da Empresa para as três Américas, a frase que caracterizava a sua personalidade – ‘se a família atrapalha seu desempenho profissional, troque de família”, com voz tonitruante e com o fortíssimo sotaque de quem aprendeu a falar o idioma Português depois de adulto. Talvez fosse aquela a oportunidade dele ver-se livre daquele casamento falido, daquela indiferença por tudo o que ele representava. Talvez fosse a oportunidade de trocar a falta de diálogo por um incentivo de alguém com os mesmos objetivos. Luís Filipe permaneceria com a mãe até a adolescência, depois iria para uma escola na Alemanha para receber os ensinamentos que lhe garantiriam vida boa na Europa, no Brasil ou em qualquer parte do mundo aonde seus conhecimentos fossem necessários, portanto a existência dele não era empecilho para o divórcio. Pelo celular a defesa civil avisou que a maioria das ruas estavam inundadas e que era recomendável a população permanecer em locais seguros. Não foi difícil convencer Janete de que eles deveriam se abrigar, só por aquela noite, no hotel cuja lâmpada rotatória da entrada do estacionamento coloria de amarelo o vidro da janela do carona. Entraram, deixando as chaves com o manobrista e se dirigiram à recepção. Não havia bagagem e a previsão de saída era para quando a chuva permitisse.

Everardo abriu a garrafa de um champanhe Veuve Clicquot, entregou a taça de cristal a Janete que havia sentado na cama e massageava os pés, agora livres dos torturantes saltos altos. Abriu as cortinas para que pudessem ver o espetáculo dos raios e sentou-se na poltrona estofada de veludo azul marinho.

– Aristeu Fatal

Não, positivamente, não! Everardo tomado por um sentimento de dor de consciência, e também movido pelo excesso de álcool ingerido, fez ver a Janete que a noite não iria passar de um escape, obrigado pelo mau tempo. Então, esperaram a chuva passar, ele pagou a conta do hotel, e levou-a para casa. Mariana, sua mulher, o aguardava com ares de poucos amigos, notando seu estado alterado. Houve discussão bem séria, tendo a mulher declarado que aquela vida não poderia continuar, que o casamento estava acabado. Everardo retrucou dizendo que deveria ela ter paciência, afirmando que, daí poucos dias ele iria para Alemanha, e quando voltasse eles conversariam com mais calma. Passados uns dias, ele já em Hamburgo, sempre demonstrando sua enorme capacidade e conhecimento do trabalho, começou a ser visto com bons olhos pelo presidente da empresa, Franz Joachin Walters, e após uma reunião, pediu que Everardo ficasse em sua sala. Declarou estar muito satisfeito com a sua performance na empresa, devendo ele permanecer na Alemanha, por mais uns três meses e convidou-o para um jantar em sua residência naquela noite. Conheceu a família do presidente, sua mulher Gertrudes, e sua filha Hertha. Ficou impressionado com a beleza da moça, simpática e que correspondeu aos seus olhares. Não foi difícil um se apaixonar pelo outro. Paixão fulminante! Durante o tempo em que permaneceu em Hamburgo, foram muitas as declarações de mútuo amor, projetos de casamento, com a aquiescência da família de Hertha. Everardo, já havia esquecido da família. Iria para o Brasil somente a fim de falar com Mariana e providenciar o divórcio.

Mariana já sabendo de tudo através da Janete, abandonou a casa onde moravam...