EM PARIS TUDO É POSSÍVEL

Segundo conto produzido por escritores GANDAVOS – Contadores de Histórias, Socorro Beltrão, Aristeu Fatal, Cléa Magnani e Alberto Vasconcelos.

Parte 1 – Socorro Beltrão

Sarah estava sentada no alto da colina, tinha o mundo aos seus pés. A Fazenda Santa Rita. O rio murmurava baixinho lá embaixo, em seu eterno chuá chuê. A paisagem era de tirar o fôlego, o sol dava um espetáculo à parte, tingindo de rubro o céu, deixando o espelho d’ água também rubro. O dia estava se despedindo, logo se faria noite. Tudo era encanto. Tudo era beleza. Tudo era serenidade. Mas Sarah estava pensativa. Quanto mais a natureza ficava bela ao seu redor, mais seus pensamentos se confundiam em sua mente.

Será que valeria a pena deixar tudo isso para trás em busca de um sonho? Pensava ela a ponto de desistir de tudo.

O que será de mim, longe daqui, sem meus pais, meus avós, meus irmãos, meus amigos?

Sarah nasceu e se criou na Fazenda Santa Rita. Seu pai ajudava ao seu avô. A fazenda ficava nas terras da Cidade de Vitória de Santo Antão. Com seus verdes prados, o gado mugindo a toda hora, bezerrinhos saltitantes, um grande galinheiro no quintal. Um pomar rico em frutas diversas. O jardim, cheio de rosas colorias e perfumadas, tomava toda frente da bela casa da fazenda. As cavalgadas, as vezes sozinha, outras tantas acompanhada pelos irmãos, avô ou o pai. Os banhos de rio, pular dos galhos da cajazeira e cair no rio jogando água para todos os lados. Os docinhos da voinha, sua mãe sempre por perto. Seu irmão, Agrônomo cuidava da lavoura, o caçula, estava concluindo o curso de Veterinária, iria cuidar da criação do gado. Sua irmã, professora da fazenda, casada com um filho de um fazendeiro vizinho, grávida de seu primeiro sobrinho. Tinha uma vida feliz.

A Sarah adorava pintar. Seus quadros enchiam a família de orgulho, pintava a natureza à sua volta com maestria. Desde pequena já fazia bonito com os lápis de cor. Aos 15 anos, sua madrinha Lia, a presenteou com uma linda caixa, cheias de tintas e pincéis, seu padrinho Marcelino, se encarregou das telas. A festa foi linda, mas ela não via a hora de irem embora para inaugurar suas tintas. A partir deste dia estava sempre às voltas com tintas, pincéis e telas. Terminou o magistério e não via a hora de viajar para a Europa onde iria estudar pintura. Dali há três dias estaria na França, todas as providências já tinham sido tomadas. Iria ficar na casa da irmã de sua madrinha. (20 linhas)

Parte 2 – Aristeu Fatal

A despedida de Sarah, como esperado, fora emocionante! Entretanto, assim que se sentou em sua poltrona na classe executiva da aeronave, deu um chega para lá em tudo que aconteceu, senão jamais haveria condições dela conseguir realizar seu sonho. Logo, a comissária veio abordá-la, oferecendo-lhe todas as mordomias que faziam parte daquela classe. Uma taça de vinho lhe faria bem, pensou, e foi o que aceitou. Desse modo, a viagem correu maravilhosamente bem. Nas vezes em que acordava de um leve sono, já ia pensando no que fazer na França, pois teria duas semanas para o início das aulas de pintura, na Escola de Belas Artes de Paris, que escolhera. Finalmente, o pouso no Aeroporto Charles De Gaulle! No portão de desembarque, foi recebida por Mirtes, irmã da madrinha Lia, 32 anos, casada com um engenheiro francês, de mesma idade, o Laurent. Formavam um bonito casal. Ela fizera curso de línguas na Sorbonne, e lecionava numa escola para estrangeiros. Ele, trabalhava numa multinacional. Não tinham filhos. Moravam em um bom apartamento situado no Quartier Latin. Sarah simpatizou-se muito com o casal, e achou sua nova casa agradável, seu quarto bem confortável e espaçoso. Lia e Laurent desmanchavam-se em gentilezas. Sarah, assim que se viu só, vibrou de alegria, pois teria facilidade de desenvolver o idioma, pois já possuía uma boa base do mesmo, portanto não teria dificuldade para conhecer a cidade. Após o banho relaxou e adormeceu. No café da manhã conversaram sobre passeios que ela poderia fazer, tendo Sarah imediatamente demonstrado o desejo de primeiro ir à Escola de Belas Artes, pois estava ansiosa em conhecê-la. Lia e Laurent ofereceram a carona a ela. Sarah ficou maravilhada com a escola. Ao sair, ela consultou um guia que havia comprado no aeroporto, notou que o Pantheon ficava ali perto e aproveitou para visitá-lo. Com os conselhos de Laurent, ela verificou a facilidade do metrô, passando a utilizá-lo com grande frequência. E assim, nesse dia e nos demais, conheceu diversos pontos turísticos da Cidade Luz. Apaixonou-se pelo Louvre, mormente quando viu a Gioconda, e notou alguns pintores fazendo cópias da famosa tela. Logo logo, ela estaria ali fazendo o mesmo, prometeu a si mesma. Com o passar do tempo, devido aos inúmeros programas que faziam, Sarah começou a sentir algumas atitudes estranhas de Laurent em relação a ela. Não sabia definir. E, na realidade, ela também notou que sentia algo diferente, nessas ocasiões. Tentou evitar muitos encontros, mas na maioria das vezes era impossível.

Quem sabe após o início das aulas, as coisas mudassem!

Parte 3 – Cléa Magnani

Durante o jantar, por algumas vezes os olhos azuis de Lauren e os verdes de Sarah se encontraram, mas rapidamente se desviaram, para novamente se buscarem. Estava se tornando incontrolável aquele sentimento que, como um vulcão os queimava por dentro, e mesmo sabendo ser impossível, os atraía como um ímã. E quando, no momento de se servirem da salada, suas mãos se tocaram, um arrepio estremeceu o corpo de Sarah, que sentiu um rubor aquecer seu rosto, e temendo que Mirtes percebesse algo, comentou:

- Nossa! O excelente vinho francês me deu calor...

Após o jantar, todos se dirigiram para a sala de estar onde conversaram sobre amenidades, enquanto tomavam um delicioso licor. Laurent lia os jornais. Mirtes tinha de preparar alguns textos para seus alunos e se dirigiu ao escritório para terminar a tarefa da aula do dia seguinte. Sarah, saiu na varanda do apartamento e observava as luzes da Cidade Luz, que reverberavam no sereno Rio Sena. Seus pensamentos voavam até a fazenda.... Quanta diferença entre a vida pacata que vivera até semanas atrás e a agitação da Europa.... Estava perdida em seus pensamentos debruçada no balaústre da varanda, quando Laurent se aproximou sorrateiramente e a abraçou pelas costas. A jovem voltou-se com um gritinho de susto, que foi calado pelo beijo ardente que Laurent lhe deu.

Indignada, mas não querendo atrair a atenção de Mirtes, Sarah tentava afastar-se do rapaz, que a envolveu num abraço, e sussurrando lhe pedia silêncio, enquanto declarava estar perdidamente apaixonado por ela.

Sarah sentiu-se muito mal naquela situação. Estava sendo acolhida na casa da irmã de sua madrinha, e o marido dela lhe convidava para trair Mirtes? Mas no fundo, ela também se sentia atraída pelo marido da amiga.

Sem dizer nenhuma palavra, Sarah desvencilhou-se do abraço de Laurent e correu para seu quarto.

Parte 4 – Alberto Vasconcelos

No desjejum do dia seguinte, Sarah ouviu com atenção os comentários de Mirtes sobre o dia nacional da França, era 14 de julho e ela havia esquecido disso. A cidade estaria toda tomada pela população para assistir às cerimônias com a presença das mais altas autoridades. Laurent não tirava os olhos de Sarah e para fugir daquele olhar atraente, ela resolveu ir ao centro para ver de perto as festividades. Não adiantaram as recomendações de Mirtes para que eles assistissem em casa pela TV. Ela estava resolvida. Como resistir durante o dia todo àquele desejo crescente de entregar-se aos carinhos do seu anfitrião? E com o argumento de que queria matar a saudade dos desfiles cívicos de sua Vitória de Santo Antão, tão distante e ao mesmo tempo tão presente em seus pensamentos, Sarah descartou a companhia de Laurent que se prontificava a lhe servir de guia.

Na estação Champs-Élysées-Clemenceau, toda enfeitada e feericamente iluminada, a multidão se afunilava no portão de saída a fim de chegar à avenida onde dentro de alguns momentos começaria o desfile militar. Alguns metros à sua frente, conseguiu identificar Mohamed, seu colega na turma de desenho artístico, marroquino, caladão, muitas vezes surpreendido a observar-lhe com olhos cobiçosos, mas que apesar desse incômodo, se tornara seu companheiro de mesa na hora do almoço. Certa vez ele lhe perguntara, por que ela usava aquela cruz ao pescoço, se nunca tinha ouvido falar do profeta Maomé e das maravilhas narradas no corão... Sarah, foi despertada desses pensamentos quando uma policial, com largo sorriso no rosto disse-lhe para usar a outra escada rolante que acabara de ser ligada. Lá no patamar superior, Mohamed acenava para que ela fosse ter com ele na praça em frente à estação.

Encerramento – Socorro Beltrão.

Apesar do céu cinza e da noite mal dormida, as cores das vestes, a alegria dos transeuntes, o barulho e as manifestações próprias do dia festivo compensavam tudo. Sarah procurou esquecer os problemas e foi ter com Mohamed. Ele ficou feliz com sua presença e o demonstrou até com uma certa efusividade. Ela se sentiu bem-vinda. Ficaram juntos por toda a manhã, passearam de mãos dadas, o que Mohamed alegou ser para não se perderem. Ela gostou daquele gesto de proteção. Conversaram sobre seus países, sua gente, seus gostos. Ele notou o amor à família no brilho dos olhos dela. Passou a admirá-la além da beleza física. Ela sentiu a tristeza do rapaz quando se referiu à sua família dispersa. Logo percebeu que ele não era ligado aos seus. Ficou triste por ele. Bem mais tarde, sentados na praça de La Concorde, tendo a linda paisagem de fundo do Museu de Louvre, ele a segurou de mansinho pelos ombros, vagarosamente beijou seus lábios, num gesto de tanto enlevo que a envolveu, mente e alma. Sarah ficou pensativa. Que diferença do atrevimento de Laurent... dentro de sua própria casa. Desde aquela noite passada percebeu nele um aproveitador. Todo encanto sumiu. Nunca admitiria uma traição. Houve uma atração recíproca? Houve. Mas daí a uma traição era uma distância imensa. Voltou-se para Mohamed e se perdeu em seus olhos escuros, profundos e enigmáticos sem se dar conta de que foi ela a tomar a iniciativa de um segundo e demorado beijo, repleto de emoção e de bom presságio.