O cego esperto
Josué era cego de nascimento. Embora fosse um cidadão pacato, não tinha medo de nada, principalmente, quando precisa se defender, mesmo tendo de usar a força. Acordava cedo e antes de o dia clarear saía de casa para trabalhar na feira como ambulante e exercer a mendicância. Andava com facilidades pelas ruas, utilizando sua velha e conhecida bengala branca. Sem guia, porque conhecia muito bem o bairro onde morava, ele ia andando em leque com a bengala, rastreiava o terreno, para localizar os buracos, os desníveis. E assim, conseguia chegar à feira, muitas vezes antes que alguns feirantes. Amigo de muita gente que trabalha lá, é estimado por todos. Conhecia o bairro como se enxergasse, sabia onde ficava a igreja o supermercado e o posto policial. Sabia até usar o telefone celular. Para isso comprou um.
Como de costume, um dia destes ele chegou à feira para vender al-gumas bugigangas e exercer a mendicância. Sapatos para o lado, ben-gala para o outro, parou na entrada da feira por um instante para co-meçar sua peregrinação. Quando deu o primeiro passo, trombou com uma pessoa que ficou em seu caminho. Mesmo sem entender, pediu desculpas repetidas vezes para acalmá-la, e ao mesmo tempo, pergun-tou-lhe se não tinha sido possível vê-lo a tempo e desviar. E qual não foi sua surpresa quando a pessoa, notando que era cego, silenciosamente, deu lhe um abraço apertado e roubou seu celular. Notou então que não era alguém que não prestara atenção, e sim um homem sem escrúpulos que achava que o cego seria uma presa fácil para roubar.
O meliante já antegozava a sua vitória sobre o cego, rejubilava-se por dentro, ria internamente da sua façanha, quando Josué percebendo a ação do malandro o localizou com sua bengala e num salto se jogou sobre ele e o agarrou pelo braço, aplicou-lhe um golpe e o botou no chão com muita força. Depois de imobilizá-lo pediu alguém para chamar a polícia.
O ladrão ficou surpreso porque até aquele momento, não tinha a menor ideia de que um cego fosse capaz de reagir daquela maneira e dominá-lo tão bem. Tentou se soltar, mas, não conseguiu. Vendo que se tratava de um bandido que assaltou o cego, algumas pessoas ajuda-ram Josué a segurá-lo, sentindo prazer ao ver um meliante dominado pelo cego. O meliante continuou preso no chão até que a polícia chegou e encaminhou os dois à delegacia.
Na delegacia descobriu-se que o malandro tinha passagens pela polícia por roubo e furtos. Mas, na revista que fizeram, não encontraram nada. Ele negava a todo momento ter roubado o celular de Josué, que não poderia servir de testemunha ocular do roubo. Quando a polícia se preparava para encerrar o caso e soltá-lo por falta de provas, o bandido foi denunciado pelo telefone que tocou escondido na sua cueca. Flagrado, o meliante foi recolhido ao xadrez.