Intermitente
- Pare!
Ele parou, com a mão no puxador da porta da geladeira. A luz da cozinha acendeu-se, e quase esperou vê-la com um rifle nas mãos, apontado para a cabeça dele. Bom, não chegava a tanto, mas a expressão da noiva não era nada amistosa.
- Hum, Karen... - murmurou constrangido. - Eu só ia pegar um copo d'água.
- Quem você quer enganar, Clyde? O dispenser de água fica na porta da geladeira!
Ele passou a mão pelos olhos, como se estivesse tendo problemas para enxergar. Encarou-a aturdido.
- Acho que sou sonâmbulo... juro que me levantei para beber um copo d'água. Acho que sonhei que estava na minha casa...
A noiva aproximou-se, ar contrafeito.
- Achei que pudesse confiar em você, Clyde. Realmente achei.
Ela estava adorável, pensou ele, com a camisola longa cor-de-rosa envolvendo o corpo rechonchudo.
- Mas você pode confiar em mim, amor - defendeu-se.
A noiva estreitou os olhos, o que era um mau sinal.
- Quando eu lhe falei em jejum intermitente, o que foi que você pensou, Clyde?
Ele fez cara de surpresa.
- Bom... um jejum... intermitente. Com momentos onde poderíamos comer, imagino.
- Não às duas da manhã, Clyde. Assim você não me ajuda a emagrecer.
Ele levou a mão ao estômago.
- Minha barriga está roncando. Não estou acostumado a comer um prato de folhas no jantar...
Karen estendeu a mão para um copo sobre o aparador da cozinha. Entregou-o ao noivo.
- Aqui está. Você não ia beber água? Pois então! Encha a sua barriga de água!
Aquilo não fora uma sugestão, era uma ordem. Ele engoliu em seco e apertou o copo contra a torneira do dispenser. Quantos copos teria que beber para enganar o estômago?
Às cinco da manhã teve que levantar-se novamente. Desta vez, para ir urinar.
- [29-09-2020]