O Doido que falava francês
João era um doido de rua que gostava de bater papo com todas as pesso-as que encontrava. Mas, antes, as cumprimentava em francês: “bon jour, mon-sier” (bom dia senhor). Comment allez vous ( como vai você ?). Não era um mentecapto qualquer, ao contrário, era inteligente e tinha cultura. Entendia de vários assuntos, inclusive recitar poesias. Gostava de Olavo Bilac e Castro Alves. Frequentemente, era visto nas esquinas ou nas ruas, declamando poemas deles. João era uma dessas pessoas pitorescas que existem em todas as cidades e que acabam ficando conhecida por causa do seu jeito de tratar os moradores. Era mais um doente mental que perambulava pela minha cidade com a diferença que falava francês e gostava de poesias. Mas, nunca foi visto consumindo bebidas alcoólicas ou agredindo alguém. Na minha cidade ninguém pode ficar sem apelido, então, carinhosamente, todo mundo passou a chama-lo de João Francês, nome que recebeu, devido a mania de cumprimentar as pessoas no idioma da França.
Supunham-se que tivesse uns quarenta anos, embora para muitas pessoas parecesse mais velho. Ele era um ponto de referência na cidade, pois os habitantes, desde o mais novo ao mais idoso, o conheciam e gostavam dele, que apesar de ser um doido e morar na rua, era atencioso, cortês e educado. E, sempre que precisavam dele, estava pronto a ajudar. Joao Frances não era mendigo, pois, nunca pedia nada a ninguém. Trabalhava prestando serviços nas casas como cortar lenha ou limpar o quintal. Em pagamento as pessoas davam-lhe roupas e comida. Morria de fome se fosse esse o caso, mas não pedia esmola. Pelo seu jeito educado de tratar as pessoas, podia-se dizer que ele foi bem-criado.
E como não poderia deixar de ser, se tornou um dos doidos mais queridos da cidade, principalmente pelas crianças. Tinha uma habilidade espantosa para fabricar brinquedos, utilizando madeira mole como o buriti. Impressionavam-nos as peças que construía: como aviõezinhos e caminhõezinhos tão bem feitos que era motivo de admiração e disputa entre as crianças para ganhá-los. Tais objetos ele levava consigo dentro de um saco e dava de presente as crianças que encontrava pela rua, sem pedir nada em troca, deixando-as encantadas e agradecidas. Jurava que era engenheiro e pela qualidade dos seus trabalhos muita gente acreditava. Se aquilo era mentira o que seria verdade então?
Falava sozinho, cumprimentava as pessoas em francês, sorrindo, e sem-pre com cara de bom amigo. Ninguém sabia ao certo quando foi que ele chegou à cidade nem de onde viera. Talvez nem se chamasse João. Amanheceu lá e ficou. Na minha terra, toda as vezes que se desconhece a história de alguém, não falta que invente uma. Então, algumas histórias surgiram sobre Joao Francês. Entre elas a de que no seu passado ele teria sido uma pessoa muito importante e que ficara doido, por causa uma paixão mal resolvida.
Numa tarde, João chegou ao limite de sua existência. Após uma tempes-tade o encontraram ferido. Ninguém soube ao certo o que o atingiu. Todos que viram sua situação ficaram apreensivos, sem saber o que fazer, diante da gravi-dade do caso. Lamentavelmente ele não resistiu aos ferimentos e poucas horas depois, morreu. Seu coração entregou os pontos, disse alguém. A notícia de sua morte espalhou-se com a rapidez da água descendo um morro, deixando a cida-de menos alegre.