Um péssimo dia para se perder a mãe
Terça feira. 13:07 hs. O sol destila sobre nós venenosos 37 graus. Estou indo para o trabalho, meu telefone toca. Encosto o carro numa sombra e atendo. Morreu a mãe de um colega, tinha doença de chagas, algumas complicações levaram ao irremediável veredicto. Quem pode com a morte?
Sigo para o trabalho, meu coração está partido, penso no amigo e no velório no qual não poderei comparecer porque a escola não fecha nem quando morre um funcionário, vai fechar por causa de uma mãe? Qual mãe merece? Nem me atrevo a responder...
Dentro do carro estou refrescada pelo ar condicionado, ao sair dele sinto um vapor quente que sobre pelas minhas pernas e sinto escorrendo suor de todos os cantos do meu corpo. O pescoço está encharcado, adoraria prender os cabelos agora. Penso no velório, no abraço que não vou dar no tempo certo, nos abraços suados das dezenas de pessoas que vão passar por lá, nas lágrimas inundando tudo, lavando o chão, e voltando ao céu como vapor quente. Penso no cheiro das flores, elas fedem muito mais com esse calorão infernal.
Nenhuma mãe merece morrer num dia quente como esse! Na despedia, com voz embargada o filho vai tentar tocar ao violão e cantar a música preferida da mãe, a voz falha, as lágrimas grossas brotam sem querer, muita gente chora, muitas vozes lamentam, uma tristeza profunda e desconfortável toma conta de todo o ambiente.
E as flores cheiram mais, cheiram mal!
As pessoas se desidratam chorando, cantando, lamentando a perda e se esquecem que a morta é a única ali que não está experimentando esse sofrimento, essa chaga infernal, esse mal cheiro. Ela está bem serena no caixão. Semblante de quem finalmente disse adeus e descansou. Mas pobres filhos! Não podiam perder uma mãe, nem hoje, nem nunca.
Suor e lágrima se misturam. Aos berros um caixão desce à terra hoje. A única a experimentar a plenitude está morta, os demais experimentam o gosto da terra que sobe e gruda nos cabelos suados, a ressaca de sono e tristeza incham os olhos, inflamam o coração! A dor é grande. Não é bom perder a mãe hoje. Não é bom perder a mãe nunca, menos ainda numa terça feira comum e muito, muito quente!
Mãe merece ser elevada ao céu, ao som das harpinhas angelicais, num dia fresco e perfumado, com alegria de despedida feliz, missão cumprida sem sofrimento, com gratidão e amor! Não assim. Não. Nenhuma mãe, nenhum filho merece.
Eu fico aqui imaginando o meu abraço atrasado, daqui uma semana. Não terei sentido o cheiro da morte, não terei sentido o suor grosso e a lágrima do meu amigo, não o terei apertado contra o peito quando ele mais precisou de mim. Não pude viver aquele momento junto com ele. Isso é péssimo. Penso num jeito de me redimir, mas não há meio.
Nada emenda um coração partido pela perda de uma mãe. Ainda mais na terça. Terça-feira de sexto horário, sol de rachar, flores murchas e poucos abraços.