SAUDADE DE MIRABELA
 
A vela tremeluzia fantasmagórica, no canto da sala.
Sentados na calçada, os meninos ouviam amedrontados o que os adultos contavam  sobre vultos que vagueiam na antiga senzala.
—  Tem ouro enterrado, visagem e assombração na tapera  em que viveram os escravos.  Pururuca  já viu uma luzerna  lá, dissera Nhô Velho.
— Pururuca não conta, quem acredita nele?
— A mãe. A mãe dele  disse que também viu.
–– Mas a mãe de Pururuca  já morreu.
— Morreu sem libertar a alma que enterrou o cabedal. Se ninguém desencantar o tesouro, a alma fica vagando sem rumo e sem direção.
– À noite  muita gente também já viu uma luz  debaixo da oiticica.
– Arrenego. Visão que não vem da parte de Deus, é coisa do ‘demo’.
Pururuca saiu resmungando.
– Preste atenção, anacoluto! Isso não é coisa de se contar na frente de criança!...
 
Adalberto Lima, trecho de "Estrela que o vento soprou."