O Milagre de Lampião
O pai de Dona Lídia, João Pereira, bebia como o diabo. Sempre tomava umas pinguinhas...
A esposa, Dona Josefa, reclamava muito. E como era devota de São João Batista, todo dia, durante alguns anos, fazia pedidos ao santo para o marido parar de beber.
Acendia velas, orava, pedia.
O Santo não a atendia, mas não perdia a fé. Todo dia ela estava lá, diante de um oratório que tinha em casa, implorando.
João Pereira tinha uma bodega. Uma mercearia lotada de tudo e sua esposa tinha uma loja de tecidos. Soube da notícia de que Lampião e seu bando de jagunços já estavam em Mirandela aterrorizando a população e se aproximavam de Banzaê.
— Vamos esconder nossas mercadorias, João Pereira! Lampião tá vindo aí!
— Que nada! Vou esconder nada! Lampião me respeita! Ele não vai mexer comigo!
— Pois eu vou é esconder meus tecidos! – disse-lhe a esposa.
E assim, todas as fazendas de tecidos e roupas confeccionadas foram colocadas numa casinha bem velha, pequenininha, baixinha, platibanda e isolada num canto da rua.
Lampião, ao chegar no povoado, viu a casinha, mas nem ligou. Não valia nada e não se interessou em ir até lá como previu a esposa de João Pereira. Mas ao ver a mercearia aberta, dirigiu-se até lá, e com a arma apontada, decretou:
— Manda o dinheiro pra cá!
João Pereira fechou os olhos. Mercadoria, tinha. Mas havia acabado de pagar a um fornecedor que raspou o tacho.
Mas como explicar isso ao cangaceiro? Ele não acreditaria.
Fechou, então, os olhos, e fez uma promessa: se saísse vivo dali, nunca mais iria beber.
De repente, Lampião pergunta:
— Oxente, cadê o home?
João Pereira, de olhos fechados, abriu a portinhola do balcão e começou a andar em direção à rua... E só ouvia Lampião dizer:
— Oxente, cadê o home?
Ou seja, as suas orações foram atendidas e ele passou pelo meio do bando sem ser visto. Só abriu os olhos quando estava no cume de uma serra ouvindo muitos tiros. De lá do alto, viu o bando de Lampião se retirar do povoado dando tiros para cima. Todo o bando estava assustado...
— Oxente, cadê o home? Cruz credo! – repetiam.
Mais adiante, avistaram um cidadão caminhando...
“— Oia ele alí!”
E meteram bala. Era Vital, o irmão de João Pereira que foi atingido em lugar dele e morreu.
Até hoje, a mulher de João Pereira fala que Lampião foi mais milagroso que São João Batista, pois desse dia em diante João Pereira nunca mais bebeu.
Mas o que ela não sabe, é que João Pereira ao fazer a promessa na hora do perigo, clamou por São João Batista.
Toda criança no povoado, até hoje, aprende na escola que Banzaê, além de ser um “lugar de valentes,” é também a “Terra onde Lampião nenhum tem vez.”
Eram muitas as histórias do cangaço.
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* Esse texto é uma das várias histórias contadas no livro "A Viagem de Cristal" de Osman Matos, publicado em 2017 pela Amazon.com nos formatos e-book e impresso.