Os meninos que andaram na garupa de Lampião!

No início da tarde, todos iam para a escola que era longe. Tinham que ir na garupa dos burros. Na verdade, no início do século XX, escola era coisa rara em lugares atrasados e pequenos, tanto em Banzaê, como nos povoados vizinhos de Barrocão, Marcação, Buracos, Araçás e Barata. Estudavam com a Tia Santinha, professora leiga contratada pela prefeitura para alfabetizar e ensinar nos primeiros anos escolares.

Um dia, ele e seu irmão Aliomar atrapalharam-se. Pensavam que sabiam o caminho de casa e ao se depararem com pequenas estradinhas de chão que levavam a inúmeros povoados da redondeza, perderam-se.

No trajeto, viram uma nuvem de poeira se aproximando. Protegeram-se num cantinho da margem da estrada para dar passagem a homens montados.

Um deles, com um belo espelho oval reluzente na frente do chapéu de couro, perguntou:

— Pra donde cês tão ino, mininos?

— A gente queria ir pra casa!

— Quiria? E num quére i mair não?

— Queremos sim, moço, mas num tamo acertano o caminho de volta.

— Adonde é qui cês mora?

— Em Banzaê.

— São fio de quem?

— De Jove!

— Num tô preguntano se ele é véi ou jove, minino! Cês são fio de quem?

— De Seo Jovem! Joviniano! E de Dona Lídia!

— Num preguntei a mãe!

— Dadá! - chamou um de seus comparsas - Esses minino são fio de um tal de Jove! Arribe eles aqui na minha garupa e vamo procurá lá, que tamo perto!

Ao chegarem em Banzaê, os meninos aliviaram a tensão ao reconhecerem o povoado. Foram ensinando o caminho de casa e os homens pararam bem na sua porta.

As ruas desertas...

— Ô de casa!

— Quem é?

— O Capitão Lampião!

— Ai meu Deus! - assustou-se Dona Lídia sem querer sair -. Correu para um dos quartos com os outros filhos e trancou-se.

— Chamem pru seu pai, seos cabra!

— Pai, sô eu! Gritava um.

— Pai, pai! Gritava o outro.

— Lídia, pegaro nossos filho! - disse Sêo Jovem reconhecendo a voz dos meninos.

— Ai, meu Deus! E agora? - tremia Dona Lídia, benzendo-se.

— Pai, sô eu! – repetia um dos meninos a mando de Lampião.

Depois de algum tempo...

— Ô de casa! Ô de casa! - interferiu o Rei do Cangaço já impaciente por não ver resposta...

Esperou um pouco mais e repetiu:

— Ô de casa! - gritou mais alto e mais nervoso - Sai pra fora, Seo Cabra, que quero intregá seus fio quincontrei perdido na istrada!

Seo Jovem olha pelo buraco da fechadura, constatou os meninos bem acomodados na garupa do cavalo de Lampião e resolveu abrir a porta bem devagarinho...

— Consegue decêre sozin, Seos Cabra? - perguntou o famoso cangaceiro.

— Não, é muito alto!

Seo Jovem escutou, mas continuou imóvel no passeio...

— Num vem buscá seus fio não, ou qué qui eu vorte e deixe eles lá na istrada donde tavam?

Seo Jovem, meio desconfiado e cauteloso, dirigiu-se até a garupa do cavalo de Lampião, resgatou os dois filhos botando-os no colo e ficou parado em pé olhando o bando....

— Muito obrigado! - disse.

— Me fez perder tempo demais, cabra, demorano de abrir a porta!

Entre pra dentro agora e ligêro cum seus fio e sem oiá pra trás!

Seo Jovem saiu bem devagar e andando de ré, olhando para o bando...

Corisco, um dos cangaceiros, engatilhou a arma sem pestanejar e apontou na direção dele que continuava andando de ré...

— Oxente! Tu tá desafiano meu Capitão Seo Cabra da peste? Parado aí!!!

O pai dos meninos continuou andando de ré e bem devagar...

— Atiro, Capitão? - perguntou Corisco.

— Não, home! Num gosto de cabra frôxo! Dêxe ele ir! - respondeu Lampião.

Logo depois, esporou seu cavalo e partiu em retirada.

Seo Jovem continuou andando de ré e olhando o bando de jagunços ir embora... Já chegando no passeio de sua casa, sentou-se lentamente num banquinho de madeira com os dois filhos no colo... Ficou sentado por algum tempo boquiaberto refletindo o porquê daquela boa ação do homem mais temido do sertão.

No outro dia, a notícia rapidamente espalhou-se por todo o povoado. Onde eles chegavam, diziam:

— Olhem! Aqueles dois são “os meninos que andaram na garupa de Lampião!”

Acabaram gostando da fama. Os guris maiores e valentões que sempre tiravam onda com eles, pararam de aperreá-los.

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* Esse texto é uma das várias histórias contadas no livro "A Viagem de Cristal" de Osman Matos, publicado em 2017 pela Amazon.com nos formatos e-book e impresso.