Voto de “papé”

Um dia, o trem de ferro percebeu Cecílio como um passageiro insólito e puxou conversa... Cecílio calado.

Era o dia da eleição para prefeito e vereadores, e Cecílio estava muito preocupado, porque um coronel - (não quiz dizer quem foi) - deu-lhe uma missão difícil, porém fácil; arriscada, porém tranquila, pois só bastava dizer que estava a serviço do coronel, caso descobrissem, que não iria dar em nada.

— Hoje fui votá e na hora que eu tava na fila, me chamaro num cantim, e dissero:

— Cecílio, o coroné pediu pra tu fazê um favô pra ele muntho importante, mas que num falasse pra ninguém, pois você é um cabra quéto, de pôca convéssa e que ele confia. É pra você pegá o papé oficiá de votá que vão lhe entregá assinado, e na hora que você tivé sozim na cabine, bote esse da cola lá qui num vai valer. Num é pra colocá o papé oficiá de votá dentro da urna, não! Traga o papé pra cá, no bôsso e dobrado pra ninguém vê.

E Assim eu fiz.

— Quando vortei, - continuou contando ao trem - entreguei o papé oficiá de votá e me dero dez cruzêro. Mas eu fiquei ali do lado tentano entendê o moído adespois: pidiro pra ôta pessoa que ia votá levá o papé que eu trusse dobrado e no bôsso pra ninguém vê, marcaro um “x” no prefetho e vereadô que nem sei quem foi, e a pessoa tinha que colocá esse papé já marcado na urna e trazê o ôto in branco que ia recebê da mesa.

Cada um que ia fazeno isso, ia ganhano dez cruzêro, e o voto certo pra eles, garantido. Tô chateado porque prometi votá em Seu Vitóro, mas me enganaro.. Deus ajude que ele tenha argum voto lá, sinão, tô frito.

O trem ouviu, e ficou calado. Não deu nenhuma opinião sobre este episódio; ele simplesmente escutou o seu desabafo. No outro día, o aconselhou, em um trajeto que havia feito a Castelo Novo, que ele observasse os bois, as boiadas, e as árvores... E que ficasse atento...

“— Olhe bem, Cecilio! A inquietude é uma força, muita força, muita força, muita força, que apita: Piuíiiiiiiiii!!!i

Mas depois que ela passar e esfriar a brasa, é só você voltar a caminhar por entre os trilhos até a próxima estação. Nunca mais reclame desse trem de vida e passe a observar melhor a vida de um trem. Então você irá ver que as árvores, os bois e as boiadas passam; na verdade ficam. Nós somos quem passamos apressados com a cabeça repleta de bobagens e não apreciamos as belíssimas paisagens.”

Mas Cecílio, ao cismar sozinho, refletia calado que tudo passava quando ele passava de trem; na verdade tudo ficava. Ele é quem passava muito descrente de tudo, com um trem na cabeça maior que ele mesmo e a sua mente perdida em um labirinto, antes, conhecido.

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* Esse texto é uma das várias histórias contadas no livro "Rio do Braço" (Romance Histórico) de Osman Matos, publicado em 2015 pela Editora Mídia Joáo Pessoa, PB (LANÇADO EM 2016 NA ACADEMIA PARAIBANA DE LETRAS) e pela Amazon.com nos formatos e-book e impresso, 2017.