A VIAGEM PELO RIO JURUÁ - I
A VIAGEM PELO RIO JURUÁ
Autor; Moyses Laredo
Capítulo #1
O rio Juruá nasce no Peru e banha os estados do Acre e Amazonas, deságua no rio Solimões, em um percurso de aproximadamente 3.000 quilômetros. É de grande importância para a região, servindo como hidrovia para diversas comunidades, já que rodovias são inexistentes na maior parte de seu curso. Em suas margens, ficam municípios importantes como Eirunepé no Amazonas e Cruzeiro do Sul no Acre.
A história versa sobre esse mesmo rio Juruá. A empresa financiadora funciona como um Banco social, é também responsável pela política social do Governo Federal com seus programas nas áreas: habitacional, infraestrutura e Agricultura Familiar, sempre atuou em locais onde se faz necessária sua intervenção, visto que, nenhum banco particular se habilitaria a tal missão. Como engenheiro dessa Empresa, aliás, o único servindo na cidade de Rio Branco no Acre, tinha como missão, vistoriar as obras ou os recursos que ali eram aplicados. Por sobre esse rio Juruá, passei algumas vezes, sempre em aviões de carreira, (como a Varig), com destino a Cruzeiro do Sul. De Cruzeiro do Sul, embarcava em aviões monomotor para Marechal Taumaturgo, e via do alto, o majestoso rio Juruá. O percurso até Marechal Taumaturgo, que em linha reta, dista coisa de 146 km, quando percorrido pelo rio, essa distância pode até triplicar, dada a sua grande sinuosidade. Pelo caminho para Marechal Taumaturgo, passa-se pelas cidades de Rodrigues Alves e Porto Walter.
A grande dificuldade de pouso nessas regiões se deve a obstáculos na pista impedindo a aterrissagem, desde gado até jogos de futebol. Numa ocasião, chegávamos de um voo, em uma aeronave leve, um monomotor Cessna 180 de quatro lugares, muito comum por lá, dada a sua grande versatilidade de pousar em pistas curtas, fretado em Cruzeiro do Sul, depois de um voo sem nenhum destaque, nos aproximamos de Marechal Taumaturgo, quando ao sobrevoar a dita pista de pouso, que não passava na época de um campinho de futebol local, todo de capim sem nenhuma marcação aeronáutica, avistamos uma carroça de boi carregada de madeira, sendo descarregada ali mesmo, no meio da pista, sem a menor condição de pouso já que o espaço que restava, antes e depois, a partir da carroça, era insuficiente para realizar tal pouso, ao avistar aquilo, o piloto deu alguns rasantes para alertar o homem, sem contudo despertar-lhe a nossa intenção de que precisávamos pousar, sempre que o avião mergulhava, ele se abaixava. Até gritar para que ele saísse dali o fizemos, infelizmente as nossas vozes eram abafadas pelo ruído do motor e do vento, e nada se ouvia, não tinha jeito, a pessoa não entendia que precisávamos pousar, acho que estava tentando construir uma casinha bem ali mesmo, tinha decidido, porque achou a área plana bem preparada, até rimos muito da situação, reproduzindo o pensamento dele –“Que diabos esse avião quer comigo?”, não tivemos outra alternativa senão, a de tocar de volta para Porto Walter cerca de 80 km, e de lá, enviar uma comunicação para que fosse desobstruída a pista, em seguida, depois de uma hora de espera, mais outra dos tempos de voo, conseguimos finalmente pousar em Marechal Taumaturgo.
Com todas as experiências de voar naquela região, experimentei ir de barco, uma coisa nova, estava começando a ficar com receio de viajar naquelas aeronaves pequenas. Na aviação quando se perde um motor e ainda sobra outro, é classificado como em estado de emergência, oras, se eu levanto voo só com um motor, significa dizer que já saio em procedimento de emergência, tem lógica! Quem tem dois tem um, quem tem um, não tem nenhum! Além do mais, estava na época da estação de acidentes aéreos, tive notícias de pelo menos uns dois que tinham se acidentado, então, me dispus a fazer uma viagem de barco, até para conhecer melhor a região, dessa vez, escolhi um lugar mais próximo de Cruzeiro do Sul, o município de Porto Walter, que dista cerca de 70km em linha reta. Por falta de uma embarcação maior, assim os responsáveis pelo meu transporte alegaram, conseguiram-me uma voadeira, como era chamado um bote pequeno de alumínio com motor de popa, daqueles motores que se acopla na traseira do barco, e é comandado por um piloteiro, o percurso daquele trecho, nessa modalidade de transporte, durava cerca de três horas, por conta das galhardas de paus que descem rio abaixo (balseiro como são chamados). Uma simples nuvem de chuva, pode cobrir grande extensão sobre o rio Juruá, em razão de sua alta sinuosidades, como se o rio se encolhesse, em pequenas voltas, igual a uma cobra se preparando para dar o bote, cabendo na sombra escura da nuvem de chuva, e quando coincidia o nosso trajeto por sob essas ditas nuvens, ficávamos a dar as voltas que o rio exigia, nos obrigando a entrar e sair da chuva, nos molhando e secando ao sol escaldante e ao vento, isso se repetia por duas ou três vezes, até conseguirmos escapar da sombra desta mesma nuvem e assim, prosseguir com a viagem. A sorte também nos favorecia, nessa época, o período de inverno, estava no fim, ocorrendo apenas chuvas esporádicas, porque assim, esse molha e seca, se repetiria algumas vezes.
Nesse dia seguíamos viagem pelo rio Juruá, saímos no começo da manhã, logo após o café, tinha pressa, queria retornar no mesmo dia para dormir em Cruzeiro do Sul. Ao chegar na beira do porto, o piloteiro acenou e desci as escadas do mercado Central, fui ao seu encontro. Saímos em seguida, logo entramos nas curvas das alças hidroviárias, ou meandros, como são identificados em hidrologia, que o Rio Juruá nos proporciona. As alças, se formam devido a grande planície Amazônica, ou terras baixas, como diz o nativo da região, quando se refere onde mora, diz que é do “baixo”. Essa conformação geográfica plana, faz com que o rio serpenteie através das planícies, gerando muitas curvas, a correnteza gerada por essas curvas, geram grandes assoreamentos de suas margens. Em curvas para esquerda, solapa (escava) a margem direita, e em curvas para direita assoreia (deposita areia) a margem esquerda, e assim, ao cabo de milhares de anos acaba se auto retificando e o que resta são imensas “ferraduras” que do alto podem ser avistadas. Essas ferraduras, ou meandros abandonados quando se fecham, aprisionam parte do rio com todos os seus ecossistemas. Passamos por várias dessas alças navegáveis e avistamos outras tantas já fechadas, não deu nem duas horas de viagem, quando colidimos com algo submerso e o motor “morreu”, o hélice (na aviação é feminina), talvez tenha se sido algum pau, o hélice ficou igual as pernas de uma aranha quando morre, todas retorcidas. Como é alumínio, se alguém tentar desentortar sempre quebra, assim disse o descuidado piloteiro. Eu falei, - “Tudo bem!” ... querendo acalmá-lo, substitua-o por um novo e vamos tocar – ele sorriu de lá da popa, dizendo, - “Só tem essa!” – “PQP! Como você pode sair numa viagem dessas, de três horas, num rio caudaloso como esse, cheio de balseiros (entulhos) com apenas o hélice do motor?” – “Porque não trouxe um sobresselente?...e agora?” perguntei, já irritado e ao mesmo tempo aflito, o sol escaldante começava a arder nas costas, nenhuma garrafa d’água comigo, perdido naquele mundão silencioso do rio, com o barquinho à deriva, os insetos começando a atacar, as mutucas de uma violência assustadora, não se detinham por nada, miravam qualquer coisa e rapidamente ferravam em pleno voo e por cima da camisa, doía que só, o diacho é que era uma ferroada atrás da outra, o arrependimento foi na hora. O “passeio”, tinha se transformado em sofrimento, o pior é que o bote estava totalmente solto no rio, sem controle, sendo levado pela correnteza, porque o infeliz sequer tinha providenciado um simples remo, aí é de lascar, já me imaginava passando a noite naquele beiradão, me desesperei.
No ritmo lento da correnteza a nos levar, ainda existia a esperança de passar algum barco e nos socorrer, a hora transcorria lentamente como no ritmo local, entendi o significado da máxima do lugar: “Por aqui, toda pressa tem 24 horas”. O silêncio da mata é ensurdecedor, até parece antítese, mas é assim mesmo que se sente, o ouvido custa a relaxar do constante ruído do motor, fica um zumbido por algum tempo a ressoar na mente. O pavor de passar a noite ali estava de fato se configurando, e me atormentava ainda mais, porque nada de algum barco descuidado passar por ali, onde estávamos era esquecido por todos, me achava perdido dentro do Brasil. O Juruá corria muito e a correnteza estava a nos arrastar para a margem, cheia de arbustos e plantas aquáticas, se fôssemos empurrados para dentro daquilo ali, aí sim, que ninguém nos veria, - e gritar? ...nem pensar! Nesse momento tomei a única decisão que ainda me restava, venci o paradigma do conselho do piloteiro, pedi-lhe para levantar a rabeta e retirar o hélice, queria dar uma olhada nele, talvez tivesse um jeito, ainda ouvi-o resmungar que não adiantava, e que ele mesmo já havia ficado no “prego” no rio. Mesmo assim, diante do meu grito, fez o que mandei. Ao retirar o hélice, vi que era do tipo de três pás, pude constatar o estrago da batida, a pequena plaquinha de alumínio de proteção por sobre as pás, tinha se entortado por cima delas e forçado o motor a parar. O alumínio de uma das palhetas (pás) estava tão retorcido que dava pra ver umas estrias no lado, a sorte, não sei se posso dizer assim, é que apenas uma das palhetas estava muito entortada, as outras nem tanto. Pedi o alicate, - já tinha visto que havia um, e comecei a desentortar, primeiro a pequena proteção sobre as pás, depois, peguei a palheta mais deformada, puxando-a bem lentamente, com o máximo de cuidado para não quebra-la, milímetro por milímetro, suportando as ferroadas das malditas mutucas, matei mutucas de alicate, continuei desentortando até um certo limite, se insistisse mais, quebraria de fato. Nesse ponto máximo, comparei com as duas outras pás e vi que ainda faltava um pouco mais, as três estavam diferentes umas das outras, mas se tentasse forçar um pouco mais, seria pior, foi então que me ocorreu uma nova ideia, porque não entortar as outras que estavam em melhores condições a fim de que igualassem com a mais prejudicada? Claro! Assim todas ficariam iguais e o giro seria sem excentricidade, e o eixo do movimento voltaria para o centro, não tinha ideia quanto ao rendimento, mas era a única esperança, tinha que dar certo, depois do “conserto”. Mandei o piloteiro baixar a rabeta n’água e ligar o motor em marcha lenta, em seguida engatar a ré, senti que o barco obedeceu, já fora daquele matagal da margem, ordenei ele engatar a vante, bem devagar, com a metade da velocidade, o barco levantou a proa um pouquinho, começou a roncar diferente, mais abafado do que o normal, mas, estávamos navegando novamente, Graças à D’US, seguimos viagem em baixa velocidade, com o máximo de cautela, ainda estávamos a cerca de 1 hora de viagem para o nosso destino, isso em condições normais, o que já não era o nosso caso. Saímos um pouco balançando como se o barquinho se requebrasse, mas andou! Que maravilha! Seguimos viagem assim meio capenga, demoramos mais de 6 horas ao todo, para chegar ao nosso destino, a fome e a sede já estavam atacando, o meu maior receio era a desidratação, se ficasse à noite no beiradão, seria obrigado a beber aquela água amarelada do rio, por fim, chegamos já no meio da tarde, graças, só de me imaginar passando a noite ali naquela horripilante margem do rio, sendo devorado vivo, me arrepiava de pavor. (continua no próximo capítulo #2)