João Beltrão e Zé Francisco

Por Nemilson Vieira de Morais (*)

“…As comitivas, os seus condutores e peões boiadeiros sempre estiveram ligados a pecuária, desde os tempos remotos até a época em que a bovinocultura se encontrava em franco desenvolvimento, interligando regiões do Mato Grosso com os Estados de São Paulo, Goiás e Minas Gerais […]”

Rebanhos bovinos de Campos Belos (GO) e região, eram negociados e conduzidos aos centros consumidores. Estes quase sempre a longas distâncias; o trabalho era executado por comitivas de peões (vaqueiros). Em lombos de resistentes animais (burros, mulas). As estradadas de rodagens ainda muito precárias nesse tempo.

João Beltrão era um desses peões de boiadeiro à moda antiga, bastante requisitado para o manejo do gado a diversas regiões brasileiras; lá pela década de 1970, talvez antes disso também.

Sua labuta era intensa nessa lida, mas, tinha a ‘paciência’ como ferramenta para garantir-lhe sucesso nesse trabalho.

“Além de todos os contratempos, que enfrentavam nas estradas, como chuva, frio, calor esses homens passavam muito tempo fora de casa”.

Nas suas folgas curtia a família e os amigos, em prosas e nuns aperitivos...

Com a competência de um ponteiro, seu João conduzia sua boiada com pulso forte por onde fosse com a mesma.

Ponteiro: “Peão experiente conhecedor das estradas, que vai à frente tocando berrante, nos momentos apropriados, para atrair, estimular a marcha ou acalmar o gado e dar sinais para os demais peões”.

Seu João amava o que fazia e liderou muitas vezes essas comitivas, nas empreitadas que fazia. Um homem conceituado por contratantes e subordinados; por seu profissionalismo, habilidade, companheirismo, carisma… — Um líder por excelência nessa atividade.

Desse labor tirou o necessário para manter a sua família e educar os filhos. Deixou um legado de integridade, honradez e garra. Um orgulho de entes queridos e da sociedade em que viveu.

O gado era conferido por João, no início e final de cada jornada. Geralmente o fazia numa passagem de cancela. Se posicionava num ponto estratégico e na medida em que o rebanho passava, essa contagem era feita.

Sempre contava com bons peões e, dentre eles o Zé Francisco.

Numa ocasião em que conduziu uma boiada para uma cidade de São Paulo; São J. do R. Preto ou Pereira Barretos, não lembro bem, aconteceu uma desconformidade...

Numa das contagens do gado faltava um boi; pelo visto João até soube qual e não seguiram a viagem aquele dia. Só o fariam após encontrar o tal. — Norma levada a sério no trabalho de condução de boiada.

João chamou Zé Francisco, peão que cercava o gado e o impedia que se dispersasse.

O orientou a voltar por cima do rastro até a fazenda do último pouso. Por lá a boiada estava completa. — Pela experiência deve ter dado-lhe as características do bicho.

Com as ordens do grande chefe a poeira subiu. — Dos cascos do burro do peão, em caminho inverso.

Rapadura, farinha sertaneja, arroz carreteiro, feijão gordo e carne assada no ‘folhão’ era o alimento desses homens.

Dormiam em couros de bois e colchões de palha sobre giraus… O café geralmente eram coado em técnica de adicionar brasas, sobre o pó em água fervente.

Bem cedo já estavam de pé e nenhuma novidade de Zé Francisco.

... O dia já se exibia e os raios solares saudavam a vida campestre.

O tempo nem passava, pela pouca graça que havia entre eles... com a ausência do companheiro.

Ao ver que seu subordinado não chegava João não perdeu tempo: chamou um companheiro e o responsabilizou sobre a administração do rebanho e partiu na busca do peão.

Depois do rojão na estrada, a exaustão; e a preocupação só aumentavam, sem o sinal do rapaz.

Sentiu o frescor da noite... e chegou ao último pouso; e de lá retornaria. No dia seguinte, de volta acertou o burrão na estrada.

Cortava o chão num passo picado sem se descuidar: qualquer vestígio, ou movimento na paisagem seria de muita importância naquele momento.

De repente, seu burro com jeitão de manso, assustou-se.

Observou à frente e viu um eito de capim acamado; no final da maçaroca, avistou uma cisterna velha desativada e a luz no fim do túnel apareceu.

Desceu do animal, foi conferir aquilo. Qual foi a surpresa?

— O novilho caiu primeiro; eu em seguida, por último, o burro por cima de mim. Relatou-me Zé Francisco.

O Zé ficou lá; noite e dia, com fome, sede, frio e sem poder dormir. — “Como um peixe dentro d’água sem oxigênio tendo que subir para respirar.”

O boi quebrou o pescoço e, o burro também.

O Zé Francisco somente com alguns arranhões.

Foram salvos o arreio do animal e as picanhas do novilho; para o churrasco com os companheiros, no restante da viagem à Terra da Garoa.

*Nemilson Vieira de Morais,

Gestor Ambiental/Acadêmico Literário.

Nem1000son@gmail.com