Uns nos zozoto, a Copa do mundo de 70 e Durango Kid
Após desligar a bomba do chafariz no poço, caminhou de volta ao Rio do Braço sentindo o cheiro do mato no final da tarde... O sol indo embora...
Cecílio adorava esse horário. Passou em frente à entrada da mansão dos Catalão. Contemplou a estrada que dava acesso a Mutuns e lembrou de muitos amigos que moram nessa avenida de casas em frente à mansão: seu Ciro, Gerenylson, Tuta, Marango, entre outros...
E vieram as lembranças da Copa do Mundo. Nos dias de partida, o armazém de cacau de Eduardo Catalão ficava repleto de moradores do Rio do Braço e de peões das roças de cacau que eram liberados do trabalho na hora do jogo; as arquibancadas eram os sacos de linhagem cheios de cacau, que se transformavam em confortáveis “sofás,” e os torcedores vibravam a cada jogada da seleção brasileira. A TV preto e branco Telefunkem comprada exclusivamente para assistir aos jogos da Copa do Mundo de 1970 era a novidade do povoado que o Eduardo Catalão trouxera.
Lembrou da final, Brasil e Itália, 4 x 1. Antes do jogo, resolveram sintonizar na rádio, pois a narração pela TV era monótona.
Na hora do gol, o comentário de Mário Viana:
“ — Gol Legal!”
Só depois de escutar esse bordão da Rádio Globo, é que tinham certeza que o gol valeu.
As pessoas amavam a seleção, principalmente porque os tipos físicos de Pelé, Brito, Everaldo, Jairzinho e Carlos Alberto eram os mesmos dos trabalhadores das roças de cacau, daí o orgulho. Sabiam escalar a seleção até hoje: Félix, Brito, Piazza, Carlos Alberto, Clodoaldo, Everaldo, Jairzinho, Gérson, Tostão, Pelé e Rivelino.
A copa fez tanto sucesso, que alguns comerciantes resolveram adquirir a novidade da época: uma TV preto e branco. Assim, Seo Alexandre do cartório comprou uma, Seo Zequinha, Seo Osvaldo e Seo Edvaldo, outras...
Um dia, na casa de Seo Osvaldo, D. Maria, mulher de Seo Júlio, estava ajudando na faxina e quando chegou na sala da televisão repleta de meninos que assistiam Rin-Tin-Tin*, ficou pasma em frente da televisão e assistiu a perseguição do Forte, exército do Texas, contra os índios americanos...
Não tinha o plim plim como hoje para passar as propagandas. De repente, entrou no ar o comercial dos Biscoitos Tupy:
“ — Biscoitos Tupy, melhores eu nunca vi. Eu nunca vi.” (Cantavam a música do comercial com crianças sorrindo).
Em seguida, um galo cantando:
“ — Televisão é Aratu, televisão é Aratu... Canal 04. Salvador meu amor, Bahiiiiiiiiiaaaaaaaaaa” ...
D. Maria, indignada, retrucou:
— Oxente! É tudo mentira! Eu quero lá saber disso! Cumé que tão tudo aí atirando uns nos zozoto, e agora tão tudo surrino?
A chegada da Televisão, mudou os costumes do Rio do Braço. Ninguém ia mais prosar nas calçadas até nove da noite, nem você via mais menino brincando de picula e bandeirinha, ou contando “causos” e olhando as estrelas, e o povo passou a dormir muito tarde: 9:30 às 10:00 h da noite.
Quando tinha jogo do Flamengo e Vasco pela TV, ou a final de campeonato brasileiro, passavam das 11:00 horas da noite... Fim de mundo para os mais velhos! Tinha dia que precisava ser mal-educado: a televisão era desligada na tora, senão o povo não ia para as suas casas.
Todo mundo queria ver “Os três patetas” (The Three Stooges) com Moe, Larry e Curly - “Guerra Sombra e Água Fresca”, (Hogan’s Heroes - com Bob Crane, Werner Klemperer) - o “Paladino da Justiça” com Richard Boone e “Daniel Boom” (com Fess Parker e Patricia Blair).
“Perdidos no Espaço”, (Lost in Space, a família Robinson no espaço, a bordo da nave Júpiter 2, juntamente com o Robô B9 e o Dr. Zachary Smith (Jonathan Harris)) -Bat Masterson, Zorro, Kojak chupando pirulito, Kung Fu com David Carradine, e o preferido: “Viagem ao Fundo do Mar” Domingo à tarde, e ninguém perdia: Havaí 5-0 (Hawaii-five 0) e Columbo, com Peter Falk, às quartas à noite.
E os nacionais: “Aplausos”, “Malu Mulher”, “Carga Pesada” e “Plantão de Polícia”. Fizeram até uma frase criativa: (“Foi um “Aplauso” quando “Plantão de Polícia” pegou “Carga Pesada” em cima de “Malu Mulher”). E “Irmãos Coragem?” - “Jerônimo, o heroi do Sertão?” - “Bandeira 2“ - “Éramos 6”, “Selva de Pedra” - E “Bicho do Mato?” Novelas fantásticas!
Quando permitiam ligar pela manhã, assistiam “Vila Sésamo” com os bonecos de pano, Garibaldi, Ênio e Beto. Nas seções de riso, ninguém perdia “Os trapalhões”, com Didi Mocó, (Renato Aragão) Zacarias, Mussun e Dedé, “Viva o Gordo” com Jô Soares, que ironizava a política e os costumes do país. “Faça Humor Não Faça Guerra”, “Planeta dos Homens”, nem “Chico City”...
Outro dia, Cecílio subiu as escadarias da igreja São Sebastião e de lá avistou todo o Rio do Braço. Viu o Clube onde um dia teve cinema e que assistira “O meu nome é Trinity”, ou um outro de cowboy com Durango Kid.
Teve um dia que Durango Kid, em close, apontou a arma para a plateia. Antes do tiro ser disparado, não ficou um para contar a história. Um peão das roças de cacau que assistia ao filme reagiu e meteu um tiro contra a tela. Isso deu o maior rebu e nunca mais teve cinema no local.
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* Esse texto é uma das várias histórias contadas no livro "Rio do Braço" (Romance Histórico) de Osman Matos, publicado em 2015 pela Editora Mídia Joáo Pessoa, PB (LANÇADO EM 2016 NA ACADEMIA PARAIBANA DE LETRAS) e pela Amazon.com nos formatos e-book e impresso, 2017.